Um resumo da ópera

À MEDIDA que o tempo foi passando foi ficando cada vez mais claro que a chegada ao poder de um partido popular no Brasil, liderado por um trabalhador, irritou profundamente a elite brasileira, que, como se sabe, sempre reinou absoluta por aqui desde os tempos das capitanias hereditárias. E não estava nem um pouco disposta a dividir a liderança política da nação com a classe trabalhadora – muito menos em se tratando de uma classe liderada por um torneiro-mecânico sem curso superior.

Assim que Lula assumiu a Presidência da República – ou até mesmo antes de assumi-la –, começaram os planos para derrubá-lo. A primeira tentativa foi com o “mensalão” em 2005. Nunca ninguém havia questionado até então o fisiologismo do Congresso Nacional que desde priscas eras funcionava na base do “toma lá dá cá”, à luz do dia, com a troca de cargos, emendas e outros favores financeiros. Isso sempre fora criticado, mas nunca questionado criminalmente na Justiça.

Foi só o PT chegar ao poder e a guerra jurídica começou no STF contra os dirigentes do partido, ministros e a base aliada do governo. Com o “mensalão” (Ação Penal 470) iniciava-se uma batalha jurídica, ou “lawfare”, como parte da chamada “guerra híbrida”, que utiliza a lei e as instituições para desestabilizar e derrubar governos legítimos, sem que para tanto fosse necessária a aplicação de um golpe de Estado nos moldes tradicionais.

A guerra jurídica do “mensalão” teve êxito em desconstruir e afastar da política algumas importantes lideranças e altos dirigentes partidários do PT, mas não chegou a atingir o alvo principal – Lula. Além do que, o governo do petista, ao contrário do que supunha a elite, foi um sucesso em todos os aspectos: Lula governou habilmente com crescimento econômico, inclusão social, respeito pela democracia e aprovação internacional.

Tanto é verdade que o petista, além de se reeleger, fez a sua sucessora em mais duas eleições consecutivas. Proeza essa que nenhum outro partido havia realizado na história democrática do país. Uma façanha, portanto, inédita, mas também insuportável para a preconceituosa elite brasileira, que voltou à carga contra o PT no golpe de 2016, apostando novamente na “guerra híbrida” com o lawfare do chamado “petrolão”.

Desta vez, a elite golpista, com apoio dos Estados Unidos, teve sucesso: não apenas derrubou a presidenta Dilma Rousseff como também levou Lula à prisão. Mas o “sucesso” do golpismo durou pouco. No meio do golpe já estavam desmascaradas as farsas do impeachment e a da Lava Jato, que foi a operação jurídica utilizada para desestabilizar o governo petista e acabar de vez com a reputação e o legado do lulismo.

O Congresso que derrubou a presidenta sem que ela tivesse praticado qualquer crime de responsabilidade é reconhecido hoje como uma das piores formações congressuais de nossa história; e o juiz da Lava Jato, que condenou e prendeu Lula num processo nulo e sem provas, é tido e havido como aquele que foi um dos piores quadros da magistratura brasileira – um manipulador que corrompeu nossas leis, não combateu corrupção e tampouco fez justiça.

Com o estrondoso fracasso dos dois governos que o golpe de 2016 pôs no Planalto – Temer e Bolsonaro –, o ex-presidente Lula volta agora com a carga toda, liderando com folga todas as pesquisas de intenção de voto, em todos os cenários e contra qualquer adversário, na corrida presidencial de 2022. Será muito interessante ver a resposta popular a tudo isso.

Nos últimos anos as nossas instituições foram duramente castigadas, tanto pelo Congresso Nacional, que em 2016 aplicou um rude golpe na soberania popular, cassando uma presidenta legitimamente eleita pelo voto do povo, quanto por setores do Judiciário e do Ministério Público que completaram o serviço sujo dos golpistas, manejando as leis e a Constituição para alcançar objetivos político-partidários.

A mídia brasileira, nesse período, escreveu também uma página vergonhosa de sua história, seja dando guarida às atrocidades jurídicas da Lava Jato e pressionando as instâncias superiores da Justiça para que essa operação se desenrolasse livremente à margem da lei, seja manipulando a opinião pública com a criminalização do Partido dos Trabalhadores e seu líder maior.

Depois de tudo, a grande esperança é que as próximas eleições, sob as bênçãos do voto e da soberania populares, possam devolver ao país a normalidade institucional. E que tanto o povo quanto a elite brasileira entendam de uma vez por todas o valor da democracia e o papel do Estado de Direito. Pois nenhuma sociedade será verdadeiramente livre e democrática se não houver um verdadeiro respeito às leis.

Onde e quando as leis foram desrespeitadas pelas autoridades encarregadas de observá-las, surgiram os esbirros e messiânicos salvadores da pátria e do povo, que, invariavelmente, instalaram o cinismo, a mentira e o arbítrio, pondo a perder tanto o povo quanto a pátria. Não precisamos de heróis. Muito menos dos falsos moralistas que se imaginam acima das leis – o que o povo brasileiro precisa é de mais povo; o que requer a nossa democracia é mais democracia; e o que nos devolverá a esperança é ter cada vez mais esperança.

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Investigadores ou espiões?

A REVELAÇÃO de que a operação Lava Jato de Curitiba estava tentando comprar o programa de espionagem PEGASUS, de uma empresa israelense, para espionar o ex-presidente Lula, é mais um capítulo sórdido da trama igualmente sórdida em que se transformou aquela malsinada força-tarefa.

O programa PEGASUS não é um programa que auxilia nas investigações, é um mecanismo de espionagem e vigilância, usado para invadir celulares em tempo real e vasculhar a vida das pessoas – qualquer pessoa. É um sistema clandestino que implode de vez a privacidade e a segurança dos indivíduos.

Na verdade, o PEGASUS é uma arma cibernética para cometer crimes que violam direitos fundamentais como a privacidade, a imagem das pessoas, o sigilo das comunicações telemáticas e a proteção de dados.

(Agora há pouco, estourou um escândalo do PEGASUS na Hungria de Viktor Orban, outro ídolo de Bolsonaro, onde invadiram 300 números de telefone. Não por acaso, o governo brasileiro tentou comprar também, sem licitação, o programa israelense.)

Chega a ser estarrecedor que procuradores da República, encarregados de zelar pelo fiel cumprimento da lei e proteção dos fundamentais, tenham, eles mesmos, tentado adquirir essa arma que põe em risco o sistema constitucional de proteção aos direitos da pessoa humana e dos cidadãos – qualquer cidadão.

Sim, a tecnologia PEGASUS funciona na base do “clique zero”. Ou seja, sem que a vítima da espionagem tenha clicado ou acessado qualquer coisa na internet o sistema pode ser acionado contra ela, clandestinamente, espionando suas mensagens, seus dados, fotos, contatos, localização – é uma tecnologia de ponta, uma arma sofisticadíssima que detona ainda mais a nossa já detonada cibersegurança.

Obcecados com a perseguição a Lula; convencidos de que eram os heróis da pátria ou varões de Plutarco, os investigadores da Lava Jato não se contentavam em investigar crimes, queriam monitorar pessoas, mesmo que para isso tivessem de recorrer a um programa tecnológico clandestino, contra o qual o cidadão fica completamente indefeso.

Que raio de Ministério Público é esse que, em vez de proteger os direitos do cidadão, torna-o refém de uma tecnologia que destrói esses direitos? A Lava Jato, que tantas vezes golpeou a lei e a Constituição Federal, perdeu a noção de limite; o sapateiro foi além das sandálias e deu no que deu – nulidades processuais, destruição e fiasco!

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O ovo da serpente

A CONSTITUIÇÃO de 1988 é reconhecidamente uma das mais, senão a mais, democrática da nossa história republicana. No entanto, abrigou o militarismo em suas entranhas, de forma sutil mas expressa. O já famoso art. 142 é o “ovo da serpente”. Ali está definido que as Forças Armadas poderão assumir o controle do país em caso de ameaça às instituições, à lei e à ordem internas.

Na esteira desse artigo, veio a Lei Complementar 97/99 que estabeleceu as normas para a organização, preparo a emprego das Forças Armadas, cujo art. 15 permite a “passagem” do controle do país às mãos dos militares. Vê-se que a ordem constitucional brasileira abraçou não só o militarismo como também a ideologia de inspiração norte-americana da “Lei e Ordem” (Law and Order).

A esses diplomas legislativos, soma-se a Lei de Segurança Nacional, Lei nº 7.170/83, anterior à Constituição mas que foi plenamente recepcionada por ela. Essa lei permite o enquadramento penal daqueles que atentarem contra a “lei e a ordem”, cuja vigilância está entregue aos militares.

Enquanto outros países da América Latina, vítimas de golpes e ditaduras militares nos anos 60 e 70, processaram e puniram seus ditadores, o Brasil, além de anistiar os algozes de farda, deu a eles uma legislação que permite a intervenção da caserna na vida política nacional – “nos termos da lei”.

Por estes dias, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, afirmou que se o presidente da CPI atacar novamente as Forças Armadas “nós temos mecanismos dentro da base legal para evitar isso. E aí nós precisamos preservar as instituições”.

Os tais instrumentos “dentro da base legal” a que se refere o comandante são exatamente esses aí acima – esses que permitem a interferência militar no processo político. A declaração do chefe da Aeronáutica é, sim, uma ameaça. Basta um pedido do ministro da Defesa para desencadear a intervenção militar. E hoje, como sabemos, o ministério da Defesa, que sempre foi chefiado por um civil, está também nas mãos dos militares.

O atual governo já abriga mais de 6 mil militares em cargos de primeiro e segundo escalões. Prevendo uma derrota nas urnas em 2022, Bolsonaro ameaça um autogolpe a toda hora, disse que não aceitará o resultado das eleições eletrônicas, e, caso seja derrotado, não passará a faixa de presidente ao vencedor.

Não nos esqueçamos que ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Boas, participou do “golpe dentro do golpe” que levou Bolsonaro à presidência. O general confessou, publicamente, ter pressionado o STF para manter Lula na prisão, o que abriu caminho para a vitória do capitão e o retorno dos militares ao poder.

Conclusão: há sinais de que o caminho vem sendo pavimentado para uma explícita interferência militar na política brasileira. O ovo da serpente está sendo chocado. Uns dizem que não há condições políticas nem históricas para um golpe militar clássico no país. Meu palpite é que já estamos no meio de um golpe militar, à conta-gotas, e em 2022 ele pode se escancarar de vez, sobretudo pelo medo de Lula e da CPI, que está mirando a responsabilidade de setores das Forças Armadas no morticínio da pandemia.

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A derrota do Brasil

O BRASIL perdeu a Copa América para a Argentina, em casa. Bastou um mísero golzinho para deitar por terra a esperança canarinho de erguer a taça e mostrar que ainda somos os melhores do continente. Não deu. Não somos. Perdemos dentro e fora de campo – estamos longe de ser e estarmos melhores.

O torneio que o Brasil perdeu no Maracanã foi jogado contra todas as recomendações sanitárias em tempos de pandemia. A seleção brasileira jogou, portanto, a favor do vírus e contra os brasileiros. Por isso, merecia ter perdido, como perdeu, exatamente para o país que se recusou a sediar a Copa América preservando a saúde de seu povo. Mandou bem a Argentina!

Num contexto assim, a vitória do Brasil em campo seria uma vitória do vírus e daqueles que se empenham em propagá-lo, promovendo aglomerações, deixando de comprar vacinas e desprezando a ciência, a vida e as pessoas.

Derrotar o Brasil – nesse contexto, volto a dizer – é derrotar aqueles que jogam a favor do vírus e da morte. É derrotar também o neofascismo que hoje nos (des)governa. O presidente da República e seus acólitos, que nada fizeram contra a pandemia, seriam os grandes beneficiados em caso de vitória da seleção brasileira no Maracanã – estavam ávidos, esperando o momento de saírem na foto ao lado dos heróis campeões.

E esses heróis também não fizeram por merecer a vitória.

O líder deles, o mais celebrado de todos, é um apoiador explícito do governo genocida que nada faz diante da morte de 530 mil brasileiros. É um garoto narcisista que entende tudo de bola, mas não entende nada do circula ao redor dela; não entende sequer o seu papel de ídolo, que muito poderia fazer para ajudar na conscientização do povo brasileiro neste momento político e sanitário extremamente conturbado, ameaçador.

Os demais jogadores, que também aceitaram jogar uma Copa absurda num momento de restrições sanitárias que a desaconselhavam, são os “isentões”. Não apoiam explicitamente aqueles que levam o Brasil a um morticínio sem precedentes na sua história, mas se calam e cumprem passivamente o papel que os poderosos lhes atribui. O silêncio muitas vezes é conivência, cumplicidade.

Até o símbolo da nossa seleção canarinho, de tantas glórias, a vitoriosa camisa verde-amarela, foi surrupiado pela extrema-direita neofascista que chegou ao poder e hoje desgoverna o país. Imaginem, até mesmo a ideia de pátria (pela qual a seleção jogava e lutava) está sendo manipulada justamente pelos vendilhões da pátria que se encastelaram no Palácio do Planalto e adjacências.

Em suma, a derrota do Brasil no Maracanã foi a derrota disso tudo que hoje ameaça os brasileiros. A Argentina ganhou dentro e fora de campo. Dentro, venceu por um placar modesto, o magro 1 a 0; fora das quatro linhas foi uma goleada, desistiu de acolher a Copa América em seu território para preservar seu povo e ainda lhe deu a taça – com isso, enfiou um novo 7 a 1 no Brasil. Vexame!

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O cagaço do presidente

A CPI do Senado solicitou explicações a Jair Bolsonaro sobre as revelações feitas pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) a respeito do caso Covaxin e o presidente disse que não vai responder nada. Em sua famosa live das quintas-feiras, e no seu melhor estilo bravateiro e chulo, debochou: “Caguei. Caguei pra CPI!”.

E foi isso mesmo: Bolsonaro se borrou inteirinho por causa da CPI. Especialmente pela sintonia entre a CPI e as ruas. Isso fez com que o impeachment voltasse a ser uma hipótese mais que possível, provável. Assim, o presidente bufão, que se dizia antissistema, teve de cair com tudo no colo do Centrão e do toma-lá-dá-cá que ele, ingenuamente, tanto condenava.

O outro efeito da CPI que fez Bolsonaro defecar pra valer está sendo a corrosão de seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto. Ele perde para o Lula em todas as pesquisas e em todos os cenários, e o número dos que reprovam seu governo bateu recorde nesta semana – depois da CPI, Lula decolou e Bolsonaro emborcou.

E tem mais um medinho que afrouxa o esfíncter do Bolsonaro e o faz evacuar com ou sem vontade: a CPI, sem indiciá-lo formalmente, está apurando todos os seus crimes. Logo, ao deixar a presidência terá de se ver com a justiça criminal – e vai dividir o banco dos réus com seus rebentos.

A tática de Bolsonaro e do bolsonarismo é desqualificar a CPI e seus integrantes a qualquer custo. Típico. Em vez de apresentar suas provas e esclarecer de vez os fatos investigados, o presidente prefere desqualificar os investigadores e a investigação. Típico de quem não tem defesa para exibir.

Claro que não tem santo nem bobo na CPI – o mais bobo ali é senador! Mas não se trata de saber quem é santo ou quem não é – o que importa são os fatos, as provas e contraprovas. E isso tudo está sendo feito às claras, publicamente, com absoluta transparência. Por que o presidente não faz a sua parte e não vai lá calar a boca de todo mundo com os seus argumentos, dados e fatos?

Simplesmente porque não os tem. Ele é valente só no cercadinho do Planalto, diante daquele bando de inhenho que o vai aplaudir mesmo quando defeca pela boca. No cercadinho ele é um leão, na CPI é tchutchuca.

As bravatas de Bolsonaro, e sua linguagem inapropriada e chula, já são uma marca registrada de seu governo – talvez a única. Bolsonaro entrará para os apêndices da História como um presidente que não foi: não governou, não enfrentou a pandemia, não entendeu o tamanho de seu cargo e não deveria ter chegado aonde chegou. Suas bravatas dão a exata medida de sua fraqueza.

Em suma, é perfeitamente compreensível a linguagem nauseabunda do presidente; diante da CPI ele tem motivos de sobra para ter desarranjos intestinais agudos. Cagaço. A CPI pode abreviar seu mandato (sobretudo se as ruas se levantarem pra valer); pode impedir o segundo mandato nas urnas; e pode mandá-lo pra cadeia – que é o lugar dos genocidas.

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Não era pra derrubar

SE os denunciantes do Escândalo da Covaxin quisessem derrubar Bolsonaro, teriam derrubado: bastaria esperar um pouco mais, aguardar a efetivação do primeiro pagamento do contrato superfaturado e o crime estaria plenamente consumado, exaurido. Era só esperar mais um pouquinho e dar o flagrante, pois o dinheiro já estava empenhado. Não haveria defesa para o capitão!

Ao denunciar o esquema da “vacinagate” no Ministério da Saúde antes que houvesse um pagamento e uma efetiva lesão aos cofres públicos, o deputado denunciante, um bolsonarista de raiz, na verdade “salvou” Bolsonaro, e ainda é capaz de encher a sua bola – dando a ele a oportunidade de suspender o contrato e sair dizendo que no seu governo não tem corrupção.

Os bolsonaristas denunciantes não queriam derrubar o presidente, queriam apenas chacoalhar o terreno em torno da presidência. E com quais intenções?

O mundo político anda curioso para saber por que o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão (funcionário do Ministério da Saúde) – o primeiro, um bolsonarista convicto da base de apoio a Bolsonaro -, fizeram a denúncia. Seria para atingir apenas o deputado Ricardo Barros, o líder do governo na Câmara? Seria para se cacifarem em futuras negociações políticas com o Planalto?

Ninguém sabe, o que se sabe é que simples desconforto ou compromisso ético não é. É briga de gangue. O deputado Luís Miranda é um bolsonarista ferrenho, reacionário, da bancada da bala e antiambientalista. Não tem nada no seu histórico político que autorize crer que estava preocupado com a saúde dos cofres públicos e do povo brasileiro.

Perdida a oportunidade de dar um “flagrante” no presidente da República, resta agora investigar o esquema de corrupção no Ministério da Saúde, com envolvimento da liderança do governo na Câmara e do próprio presidente – que já disse não ter como saber o que acontece no âmbito de seus ministérios.

Como assim? Se Bolsonaro não sabe o que acontece à sua volta, como é que vai prometer um governo sem corrupção? Ele exigia que Lula soubesse tudo o que acontecia na Petrobras, que é a terceira maior petroleira do mundo com presidência própria, mas não sabe o que acontece em seus ministérios, debaixo de seu nariz.

Para quem prometia acabar com a corrupção, acabar com a “roubalheira” do PT e fazer um governo antissistema, confessar agora que não sabe o que acontece num dos mais importantes ministérios da República, o da Saúde, não é apenas uma confissão de incompetência – é uma evidência de que Bolsonaro jamais presidiu ou presidirá o Brasil; seu legado será apenas ódio, mentira e morte.

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O Rubicão da democracia brasileira

EM 2022, a democracia brasileira terá um duplo desafio: vencer a extrema-direita bolsonarista e assegurar o resultado das eleições. Será um momento delicado, uma prova de fogo para a nossa titubeante democracia – se superar essas duas ameaças, poderá consolidar-se a partir dali; caso fracasse nessas duas tarefas, será virá retrocesso e até a destruição do nosso regime democrático.

Sim. Jair Bolsonaro representa uma ameaça à democracia. Está prometendo um golpe de Estado, ou autogolpe, desde que assumiu o governo. Aliás, desde antes, ainda deputado, já apregoava a necessidade de fechar o Congresso, acabar com as oposições e governar à força, montado nas estruturas repressivas do Estado com apoio de organismos paramilitares, cuja legalização o então deputado defendia abertamente.

Se vencer as eleições de 2022, não há dúvida de que Bolsonaro consolidará seu projeto autocrático. O modelo que persegue é o de Viktor Orbán da Hungria, corroendo as instituições por dentro, cooptando o Congresso, mudando a legislação para permanecer no poder e manietar o Judiciário, sufocando a oposição, estrangulando a mídia independente e restringindo liberdades.

Se perder nas urnas, virá o golpe clássico – mais ou menos como ocorreu na Bolívia em 2019, quando forças militares e policiais obrigaram à renúncia de Evo Morales. Bolsonaro dá mostras de que usará a força militar, cooptando o baixo oficialato das Forças Armadas e até setores da cúpula, arregimentando as polícias militares dos Estados e as forças de segurança privada – legalizadas e clandestinas.

Para tanto, o presidente já está pondo em dúvida o resultado das eleições de 2022. A defesa do voto impresso é o mote para o golpe. Em caso de derrota de Bolsonaro, a eleição será imediatamente judicializada, o que abrirá tempo e espaço para que as forças de segurança tomem as rédeas do país, garantindo a paz e ordem pública.

Portanto, seja um, seja outro, o resultado das eleições, a democracia brasileira continuará correndo o risco de naufragar de vez. Esse é o cenário que Bolsonaro desenha e que pretende impor em 2022, tanto para continuar no poder, quanto para evitar sua própria prisão – sem a presidência, Bolsonaro, sua família e suas milícias terão de acertar contas com lei.

A única via capaz de imunizar esses riscos para democracia brasileira seroa a derrota de Bolsonaro já no primeiro turno. Porque, se disputar o segundo turno palmo a palmo com Lula, ou outro candidato da esquerda ou centro-esquerda, Bolsonaro não engolirá a derrota e deverá partir para o tudo-ou-nada, destruindo a democracia,. se preciso for, para salvar sua pele.

Algo parecido estava ocorrendo nos EUA logo após a derrota de Trump e a invasão do Capitólio. Mas lá, diferentemente daqui, as Forças Armadas cuidaram de garantir a ordem, a lei e o resultado das eleições – Trump ficou sozinho com os malucos que invadiram a sede do Congresso norte-americano e não teve alternativa senão voltar pra casa.

Aqui é diferente. As Forças Armadas são historicamente golpistas. Basta lembrar que a fundação da República resultou de um golpe militar. Logo em seguida, veio o Estado de Sítio imposto pelos militares, e, desde a Primeira Revolta da Armada em 1891, os militares brasileiros participaram de todos (todos) os golpes de Estado no país, seja apoiando, seja protagonizando-os.

É ingenuidade imaginar que prevalecerá a Lei e a Constituição em 2022 porque as instituições estarão funcionando. Bobagem! Desde o golpe de 2016, as instituições no Brasil se fragilizaram e não estão funcionando. Se estivessem, Bolsonaro não teria cometido os crimes que cometeu durante a pandemia, nem estaria ameaçando abertamente o STF, a tripartição de poderes, a soberania do voto popular e a democracia.

Em suma, as tarefas de barrar a extrema-direita de Bolsonaro e assegurar o resultado das eleições diretas e livres em 2022 é um desafio de todo aquele que se diz democrata. A extrema-direita, em qualquer lugar do mundo, é contra a democracia, não respeita as regras do jogo porque não reconhece a legitimidade de seus adversários – precisa, portanto, ser derrotada, permanecer afastada do poder.

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Mais didático, impossível

OS TRÊS países com pior desempenho na gestão da pandemia eram (e dois ainda são) governados por populistas autoritários: os Estados Unidos de Donald Trump; a Índia de Narendra Modi e o Brasil de Jair Bolsonaro. Não por acaso, esses países registraram o maior número de mortes por covid-19 e contaminações pelo novo coronavírus até aqui.

Negacionistas, tais dirigentes minimizaram a gravidade da doença, deixaram de coordenar as ações contra a pandemia, foram contra as medidas de distanciamento social, desdenharam das vacinas e apostaram em medicações e tratamento precoce sem nenhuma eficácia comprovada pela Ciência.

Desde que mudou a presidência dos EUA, com a eleição de Joe Biden no lugar de Donald Trump, a vacinação avançou naquele país e o número de mortes diárias caiu, imediatamente, de 3.400 óbitos em janeiro para 940 em março; hoje a média diária encontra-se em 669 casos, um quinto das mortes que ocorriam em janeiro de 2021 sob o governo de Trump.

A Índia e o Brasil, que continuam governados por populistas autoritários e negacionistas, são os dois países com as maiores médias de mortes por covid no mundo. São os únicos que têm essa média acima de 1.000, ambos com mortes diárias e média móvel semelhantes, variando em torno de 2.000 casos.

A atuação lamentável desses três líderes (Trump, Modi e Bolsonaro) constitui uma evidência fulgurante do fracasso da “nova direita”, ou da extrema-direita, na condução da pandemia. A queda de Trump com o imediato controle da peste nos EUA é uma prova irrefutável de que o populismo autoritário não só fracassou no enfrentamento da crise sanitária como é parte da própria crise.

Não poderia ser mais didático: o número de mortes nesses países governados por líderes populistas e autoritários é a prova mais eloquente de que o negacionismo foi tão nocivo quanto o vírus. Mas, nem esse catastrófico morticínio consegue abrir os olhos dessa gente negacionista, pois, em vez de enxergar os fatos, preferem negá-los também, mesmo diante da própria morte.

É por isso que países como Brasil estão, como se diz, na contramão do mundo. Enquanto a Europa e os EUA de Biden já começam a retomar suas atividades econômicas, sociais e de lazer; enquanto a China já promoveu encontros a céu aberto para mais de 11 mil pessoas em Wuhan, apontado berço do vírus, o Brasil se mantém com taxas elevadíssimas de contaminação e mortes por covid – e na iminência de uma terceira onda.

O mundo já descobriu que os caminhos são o distanciamento físico e as vacinas. Já o presidente brasileiro continua incentivando aglomerações, menoscabando a importância das máscaras e desdenhando a vacinação, apegado ao curandeirismo do “tratamento precoce” com cloroquina e prevenção da doença com ivermectina – na contramão do mundo e da Ciência.

Nem uma CPI, investigando um rol de mais de vinte crimes praticados pelo presidente da República contra a saúde e a vida dos brasileiros, durante a pandemia, tem sido suficiente para mudar o rumo e a necropolítica de Bolsonaro. Ele segue firme na pulsão de morte e na polarização que atiça seu eleitorado – seu propósito não é a vida, é a reeleição!

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A prova de fogo da nossa democracia

TENHO sustentado aqui (e alhures) que um novo golpe militar no Brasil de hoje não só é possível como é provável. Já antes do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 eu sustentava essa hipótese. Aliás, num texto produzido em 2015 para o Ministério Público, como membro do grupo de análise do relatório da Comissão Estadual da Verdade em São Paulo, indiquei os argumentos legais que os militares utilizariam para aplicar o golpe.

Portanto, há seis anos ou mais suspeitei que os militares estavam assanhados para voltar ao poder e podiam fazê-lo até mesmo “nos termos da lei e da Constituição”. Pois o militarismo continua entranhado na nossa legislação democrática desde 1988, especificamente no art. 142 da Constituição Federal e na lei que a complementa (LC 97/99).

E qual o porquê ou porquês dessa suspeição? Dois motivos assanharam os militares: o veemente repúdio à reeleição de Dilma em 2014 por parte da classe dominante e a instalação da Lava Jato, também em 2014, com o claro propósito de atuar politicamente contra o partido que estava no governo, o PT.

Esses dois fatos faziam pressentir, desde logo, que os militares, sobretudo do Exército, em algum momento viriam com o pretexto histórico da defesa da ordem e das instituições; permaneceriam de campana, só esperando a hora certa, o momento propício, para dar o bote.

A “defesa da ordem e das instituições” é a desculpa sempre usada para justificar os golpes militares clássicos – com canhões na rua e brusca tomada do poder. Todavia, desta vez, o Exército resolveu seguir a nova cartilha dos golpes de Estado, “por dentro da democracia”, e o então comandante Eduardo Villas-Bôas (que de “boas” não tem nada), pressionou o STF para manter Lula preso, tirando o petista da eleição.

O STF, acuado pela mídia e então também pelo Exército, cumpriu a ordem: manteve Lula na cadeia e ajudou a parir Bolsonaro, que chegou ao poder meio no susto e trouxe consigo o seu projeto autocrático. À moda dos novos “populistas autoritários”, Bolsonaro passou a atacar as instituições democráticas (STF e Congresso), a mídia, a universidade e a cultura, como estratégia para corroer a democracia por dentro e consumar seu projeto autoritário.

Para tanto, está cooptando o baixo oficialato das Forças Armadas, as polícias estaduais, as forças de segurança privada e as milícias paramilitares. E o faz abertamente. Agora, seu processo de cooptação está chegando à cúpula das Formas Armadas – o episódio Pazuello é um exemplo escandaloso.

Além disso, o capitão já iniciou – há muito – sua retórica vazia contra o voto eletrônico, pondo em dúvida, de antemão, a segurança desse voto e a lisura da eleição de 2022. As milícias digitais de Bolsonaro já estão difundindo na internet que a próxima eleição presidencial poderá ser fraudada para afastar o capitão do poder, o que justificaria um “golpe militar” para pôr ordem na casa.

A prova de fogo para a democracia brasileira será mesmo em 2022: se Bolsonaro vencer nas urnas, irá consolidar seu projeto autoritário, inspirado sobretudo em Donald Trump e Viktor Orban (Hungria), amordaçando a imprensa adversária; sufocando oposição no Congresso; restringindo a atuação do STF e mudando a legislação para permanecer no poder além de seus dois mandatos.

Se Bolsonaro for derrotado, aí sim, virá a guerra híbrida e o golpe clássico, com imediata recontagem de votos, cassação da chapa vencedora, anulação das eleições e entronização de um governante provisório, que poderá ser o próprio Bolsonaro ou algum outro preposto dos militares – esta última hipótese parece a mais provável.

À vista de tudo isso, fica claro que os dois grandes desafios para a democracia brasileira em 2022 serão, primeiramente, derrotar a extrema-direita de Bolsonaro, e, em seguida, assegurar o resultado das eleições. Esse será o momento mais delicado, o de maior risco para a nossa democracia, desde que mergulhamos numa profunda crise institucional em 2014, que passou pelo impeachment de Dilma, prisão de Lula e ascensão da extrema-direita.

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Genocídio notório

EM DIREITO, diz-se que os fatos notórios não dependem de prova. Por exemplo, uma criança que pede pensão alimentícia ao pai não precisa provar sua dependência econômica em relação ao genitor, pois é notório que as crianças dependem materialmente dos pais.

A CPI da pandemia passa por uma situação idêntica: está investigando o que todo mundo já sabe e nem precisa ser investigado. Ou seja, quer saber se Bolsonaro apostou na “imunidade de rebanho”; se foi contra o “lockdown”; se adotou o tratamento precoce com cloroquina como ação de saúde pública; e se deixou de comprar vacina anticovid para imunizar os brasileiros a tempo e a hora.

Fala a sério: isso tudo ainda precisa ser investigado, não seriam, por assim dizer, os tais fatos notórios? Claro que sim.

Por meio de incontáveis declarações, vídeos, entrevistas e lives Bolsonaro sempre deixou muito claro que era contra o isolamento social, contra as vacinas e a favor do tal tratamento precoce com cloroquina e outras drogas igualmente ineficazes para a covid-19. Suas declarações eram expressas no sentido de que a pandemia seria vencida com a “imunidade natural de rebanho”, e não com vacinas.

Ironizou o quanto pôde as vacinas, pessoalmente recusou-se a tomá-las, rejeitou a oferta de milhões de doses dos imunizantes. Saiu promovendo aglomerações de pessoas e chegou a entrar na Justiça contra o “lockdown” de governadores e prefeitos. Virou garoto-propaganda da cloroquina, criou um “programa” fajuto (TrateCOV) do Ministério da Saúde para recomendar esse remédio ineficaz e o ofereceu até mesmo às emas do Palácio.

Investigar essas coisas pra quê? São fatos notórios. Nem era preciso uma CPI, bastava que os comandantes da Câmara Federal (Maia antes e Lira agora) tivessem tido a coragem de pôr os mais de 100 pedidos de impeachment em andamento, enfrentando o respaldo militar que mantém Bolsonaro no cargo.

Mas a CPI tem sim o que investigar. Surgiram evidências de que Bolsonaro negava a ciência e preferia ouvir o bando de aloprados que integravam seu “Ministério Paralelo da Saúde” ou “Gabinete das Sombras” – um bando de “cloroquiners” medíocres que recusam a vacina e insistem no tratamento precoce sem eficácia; acreditam na imunidade de rebanho e garantem que isolamento social não funciona; negam a ciência e recomendam o curandeirismo.

A CPI precisa investigar também os fortes indícios de corrupção e malversação do dinheiro público por trás da cloroquina. São muitos milhões gastos pelo governo com a compra, a distribuição e a fabricação do remédio pelo laboratório do Exército. Há muito dinheiro gasto também com “influencers”, blogueiros e até jornalistas picaretas que fazem a propaganda homicida da cloroquina.

Ninguém tem dúvida sobre o comportamento criminoso de Bolsonaro em face da maior pandemia do século. Só mesmo o bolsonarismo mais tosco ainda apoia o negacionismo doentio do capitão. A CPI tem o que investigar, mas os fatos notórios – que independem de investigação e prova -, já nos dão conta de que estamos diante de um genocídio igualmente notório.

Afinal, sem vacina, sem isolamento social, sem amparo financeiro para que as pessoas pudessem permanecer em casa durante o pico da doença, e sem um governo para coordenar o combate à pandemia queriam o quê? As mais de 470 mil mortes, os quase 17 milhões de infectados e não se sabe quantos sequelados eram resultado mais que previsível; fruto de um desígnio doloso – e notório.

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