POR razões que a ciência ainda não identificou, a cidade de Manaus tem sido vítima de um número anormal de contaminação pelo novo coronavírus. Enquanto São Paulo (localizada numa das regiões mais atingidas pela pandemia) chegou ao patamar de 29% de sua população contaminada, Manaus atingiu o nível elevadíssimo de 76%.
Especula-se que um dos motivos é o comportamento da população, que não aderiu às medidas preventivas, como distanciamento social, uso de máscara e higiene sistemática das mãos e roupas. O outro seria a absoluta falta de infraestrutura de saúde no Estado do Amazonas, inclusive na capital.
De fato, durante a primeira onda da pandemia Manaus foi a capital que mais sofreu; nesta segunda onda, idem. Pessoas estão morrendo asfixiadas sem oxigênio hospitalar; os mortos estão sendo armazenados em câmaras frias e sepultados em valas comuns; doentes graves estão sendo transferidos emergencialmente para outros Estados.
Isso tudo era – e é – do pleno conhecimento do governo federal, a quem caberia suprir a a deficiência da infraestrutura amazonense e, no auge da crise manauara, socorrer as vítimas que careciam do básico e acabaram morrendo sem poder, sequer, respirar. Até o governo da Venezuela enxergou isso tudo e ofereceu ajuda.
O governo brasileiro, depois de muita pressão social e até internacional, mandou o ministro da Saúde acompanhado de uma equipe de médicos a Manaus. Os “missionários” lá chegaram e, em vez de levar oxigênio e socorrer os moribundos, receitaram hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina para o tratamento precoce da doença – medicamentos sem eficácia comprovada.
Como o ministro é um militar, supostamente detentor de alguma expertise em matéria de logística, imaginava-se que ele providenciaria rapidamente os cilindros de oxigênio que salvariam muitas vidas. Que nada! Deixou que os manauaras morressem sufocados por uma semana inteira para só depois mandar um avião da FAB levar o socorro.
Além dessa omissão criminosa – que deixa ainda mais clara a necropolítica de Bolsonaro e o seu governo genocida – o presidente limitou-se a dizer que a responsabilidade do que acontece em Manaus é responsabilidade do governo do Estado, uma vez que o STF teria impedido o governo federal de atuar no combate à pandemia.
Não é verdade.
O STF decidiu que a responsabilidade pela questão sanitária é concorrente. Isso mesmo: “concorrente” e não subsidiária, suplementar ou subsequente. Logo, Estados, Municípios e União têm igual responsabilidade (solidária) no combate à pandemia. Se o governador, por omissão, incompetência ou corrupção não cumpre seu dever e não age, o governo federal tem a obrigação política e jurídica de agir.
Essa tragédia de Manaus deve (deveria, deverá) aumentar a possibilidade de impeachment do presidente, porquanto causou comoção social e tem tudo para turbinar o “Fora Bolsonaro” – tanto no campo político-institucional quanto nas ruas.
Pois, todas as mortes ocorridas nesta última semana, entre a ida do ministro a Manaus e a efetiva chegada dos cilindros de oxigênio, são mortes que, concretamente, podem ser atribuídas ao presidente República como crime de homicídio doloso – no mínimo, dolo eventual.
O caso de Manaus é paradigmático. O presidente Bolsonaro não quer combater a pandemia – só o faz sob pressão. Foi assim com a ajuda emergencial, com os equipamentos de proteção individual (EPI) para funcionários do SUS e agora com a vacina – a omissão de Bolsonaro é criminosa; sua “missão” é matar; como ele mesmo disse publicamente, num programa de televisão, vários anos atrás.
A “missão” dos democratas agora é barrar a escalada autoritária (e genocida) desse militar de baixa patente e político de baixo clero que saiu dos porões da ditadura e, por velhacaria e descuido, foi parar no Palácio do Planalto. A questão agora não é apenas política, é sobretudo humanitária.
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