Um exército pra chamar de “meu”

AGORA, sim, o presidente Bolsonaro tem um Exército todinho pra chamar de seu: mandou o comandante dessa força terrestre arquivar o processo de Pazuello e o comandante, que já não comanda tanto assim, simplesmente arquivou os autos, acolhendo a justificativa esfarrapada do general indisciplinado.

Semanas atrás, o ex-ministro da Saúde, que é general da ativa, havia participado de um ato político-partidário (e golpista) a favor do presidente Bolsonaro no Rio de Janeiro. Essa atitude do militar é proibida pela regulamento das Forças Armadas e pela Constituição, logo, Pazuello deveria ser punido por indisciplina, mas o capitão-em-chefe “dobrou” o comandante do Exército e o processo disciplinar deu em nada.

Dizem que essa decisão, enfiada goela abaixo do comandante do Exército, poderá incitar a indisciplina entre os militares. E pode. Mas isso ainda não é o mais grave. O grave mesmo é a ameaça que representa à democracia brasileira: a absolvição de Pazuello indica que as Forças Armadas, apesar de apregoarem o contrário, estão embarcadas no governo do capitão indisciplinado, que fora expulso do próprio Exército.

Sim. Com a malsinada eleição de Bolsonaro em 2018 os militares foram trazidos de novo para o jogo político. São milhares deles em cargos do primeiro e segundo escalões do governo federal. Se não temos hoje um “governo militar”, temos sim um “governo militarizado”. E os militares estão adorando isso – retomaram o poder sem a necessidade de um golpe tipicamente militar, como no passado.

Dentro das Forças Armadas pode haver alguém ou algum grupo que não concorda com todas as maluquices do capitão presidente. Mas, mesmo assim, mesmo com divergências pontuais, essas Forças apoiam o governo atual e são capazes de apoiar seu projeto autoritário até o fim, inclusive com golpe em 2022, caso Bolsonaro perca nas urnas.

Não nos iludamos. A República brasileira foi proclamada por um golpe dos militares e, nos seus primórdios, presidida por eles. Depois da proclamação da República, os militares estiveram no centro de todos os golpes de Estado no Brasil – quer apoiando, quer protagonizando esses golpes, desde a Primeira Revolta Armada em 1891 até a deposição de Dilma Rousseff em 2016.

Não é de estranhar, pois, que estejam de novo tão assanhados com o poder, já que a presidência e a vice-presidência da República passaram às mãos de dois militares da reserva.

A absolvição de Pazuello é emblemática: as Forças Armadas, que na verdade são instituições de Estado, embarcaram (felizes da vida) no governo de turno. E é assim até mesmo por razões históricas. Mas há outras: os militares sempre almejaram o controle das empresas estatais e também da Amazônia – vejam que Bolsonaro não mostra disposição para privatizar as estatais e deixa nossa Amazônia ao deus-dará, o que justificaria uma futura tutela militar.

Engana-se quem acha que as Forças Armadas estão constrangidas com o governo genocida e incompetente do capitão. Nem há “racha” nenhum na tropa. Nada disso. A sede de poder sempre falou mais alto nos quartéis. O eleitorado brasileiro é que precisa tomar tenência e mandar os militares pra caserna, devolvendo o poder político aos civis – porque onde o poder das armas faz política não há democracia.

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Hipocrisia em rede nacional

O PRESIDENTE Jair Bolsonaro fez ontem um pronunciamento em rede nacional de rádio e tevê ressaltando a melhora da economia, prometendo vacina e condenando o lockdown. Além disso, destacou algumas obras viárias, a transposição do São Francisco e os lucros da Caixa Econômica Federal. Não teve coragem de sequer tocar no nome da cloroquina. Se faltou coragem com a cloroquina, sobraram cinismo e hipocrisia no resto!

O crescimento de 1,2% do PIB neste primeiro trimestre de 2021 é realmente uma surpresa. Mas, desde o final do ano passado já era previsto um crescimento vegetativo (natural) da economia da ordem de 3,5% neste ano. E é preciso dizer duas coisas: Primeiro, essa reação não é resultado de um plano ou de ações econômicas do governo, que ainda não fez nada nesse terreno.

Segundo, trata-se de um crescimento natural e desigual: a agropecuária cresceu 5,2%, o comércio 3,5% e a indústria 3%; já no setor de serviços, que interessa às classes mais baixas, houve queda de 0,8%, e o desemprego bate recorde na casa dos 14,7%, segundo o IBGE. Portanto, a reação ou crescimento do PIB, já esperado, foi desigual e vulnerável, e mesmo assim, sem nenhum mérito do governo.

A respeito das vacinas, a hipocrisia do presidente foi chocante. Depois de recusar 11 ofertas de diferentes vacinas; depois de hostilizar a China que forneceu 80% das vacinas utilizadas no país; depois de desacreditar a eficácia das vacinas e de dizer que ele próprio não tomaria nenhum imunizante; com seis meses de atraso e 470 mil mortes Bolsonaro vem prometer vacina pra todo mundo.

Sobre os lucros da CEF, Bolsonaro mente. A CEF sempre foi lucrativa, e seus lucros aumentaram agora porque esse banco público deixou de cumprir sua função social com o corte de programas sociais como o “Minha Casa, Minha”, “Bolsa Família”, FIES e outros. É fácil tornar um banco público lucrativo: é só trocar sua função social pela exclusiva busca do lucro financeiro.

No tocante ao lockdown, Bolsonaro foi coerente. Ele é contra essa medida recomendada por autoridades sanitárias do mundo inteiro porque acredita na “imunidade de rebanho”, buscando a contaminação do maior número possível de brasileiros pelo novo coronavírus, estratégia essa que não deu certo em nenhum lugar do mundo e já matou quase 500 mil brasileiros.

Quanto às obras que estariam sendo realizadas Brasil afora, Bolsonaro foi bizarro. Disse que inaugurou pontes, trechos de estradas e que está continuando a transposição do Rio São Francisco. Essas obras, muitas iniciadas em governos anteriores, andariam fosse quem fosse o presidente, e até mesmo sem presidente, pois elas prosseguem dentro da rotina gerencial-administrativa do país, levadas a efeito por ministérios e secretarias; não é preciso um presidente da República para tocá-las.

A verdade é que Bolsonaro está se sentindo pressionado pelas ruas, pela CPI e pelas pesquisas de intenção de voto para 2022 e seu desconfiômetro acendeu a luz amarela. Ele resolveu alinhavar um discurso mais palatável, centrado na reação da economia e na oferta de vacinas. Só que ninguém acredita mais, pois ele não tem equipe nem plano econômico, tampouco teria moral para falar em vacinas e combate à pandemia.

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Crime e boçalidade

NESTE domingo, o presidente da República deu mais uma prova de sua índole criminosa: promoveu aglomeração de milhares de pessoas no Rio de Janeiro, sem distanciamento nem máscara, para protestar contra não se sabe bem o quê, “em defesa da família e da pátria”, com Deus no coração”.

Com esse comportamento, o presidente comete mais um de seus crimes contra a saúde pública e a vida dos brasileiros. Segue agindo como um provocador barato, um sádico, um indivíduo que não consegue discernir entre o bem e mal, entre o lícito e o crime.

Teve o apoio do governo do Rio de Janeiro, que mobilizou mais de 1.000 policiais para assegurar as estripulias do capitão miliciano; e teve também a companhia do ex-ministro Pazuello, que recebeu o Ministério da Saúde com 30 mil mortos pela covid-19 e entregou a pasta com 300 mil óbitos – multiplicou o morticínio por dez.

A verdade é que Bolsonaro está em campanha, como esteve desde o começo de seu governo. Nesses dois anos e meio, não há nenhum ato de governo, nenhuma realização do governo federal, que pudesse ser apontado como importante obra do capitão – ele não governou um dia sequer, só fez campanha, espalhando mentiras, desinformação e ódio.

Claro que a manifestação desse domingo foi mais um ato de campanha, apoiado entusiasticamente pela boçalidade daqueles que se identificam com o presidente e aplaudem seus crimes. Não é à toa que o caminhão de onde discursou o presidente, despejando suas sandices, estava cheio de guarda-costas, milicianos e brucutus.

Essa parcela bolsonarista não apenas concorda com as insanidades do capitão, não é um caso de apoio ou opção política, ela “identifica” com o miliciano que hoje ocupa o Palácio do Planalto. É um caso típico de identificação e não uma escolha racional ou política; o bolsonarista de raiz é igual ao Bolsonaro – não é nem fanatismo, é equivalência, equiparação.

Daqui até 2022 será isso – Bolsonaro desesperado nas ruas. As pesquisas indicam que sua popularidade despencou,. a rejeição aumentou, e as intenções de voto minguaram. Pra complicar a vida do miliciano, ressurge a figura de Lula e as pesquisas indicando que o petista pode vencer a eleição presidencial até mesmo no primeiro turno.

Bolsonaro surtou e vai continuar, como se diz, “agitando suas bases” e despejando ódio nas redes sociais. É um político malsão que o eleitorado, vítima de muita manipulação midiática e cegueira coletiva, teve a má sorte de pôr na Presidência da República um homem despreparado, autoritário e criminoso.

Que os crimes de Bolsonaro e a boçalidade dos que o apoiam continuarão até 2022, não há dúvida. A esperança é que a maioria do eleitorado brasileiro recobre a lucidez, encare a política com responsabilidade, e não se deixe levar nem pelo ódio nem pelo preconceito político e social. Espera-se que o eleitorado, finalmente, se dê conta de que 2018 foi um momento de desatino – uma gafe histórica que pôs a milícia do Rio de Janeiro para governar o país.

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A necessária volta de Lula

LULA voltou e voltou com tudo ao cenário político-eleitoral brasileiro: segundo a última pesquisa do Datafolha (pesquisa presencial e não por telefone ou internet), Lula é o grande favorito para a eleição presidencial de 2022. Está muito à frente de todos os candidatos – seja no primeiro, seja no segundo turno.

No primeiro turno, Lula tem 41% das intenções de voto, seguido (de longe) por Bolsonaro com 23%. Na disputa direta do segundo turno, entre Lula e Bolsonaro, o petista crava 55% contra apenas 23% de Bolsonaro. Os demais candidatos seguem embolados lá embaixo, sem nenhuma condição de decolar.

Esse cenário indica que a eleição de 2022 ficará mesmo polarizada entre Lula e Jair Bolsonaro, pois, ao menos por ora, não há sinais de que uma terceira via pudesse aparecer. E o mundo político já dá como certo que a direita tradicional não conseguirá emplacar um terceiro nome eleitoralmente viável.

Claro que até a eleição tem, como se diz, muita água pra rolar, mas o cenário mais provável é a consolidação do favoritismo de Lula e o derretimento de Bolsonaro, cuja popularidade vem despencando e, bem por isso, já aparece com alta rejeição na pesquisa Datafolha, 54%, contra 36% de Lula.

É verdade que Jair Bolsonaro sempre foi um deputado com alta votação no Rio de Janeiro, e na eleição de 2018 conseguiu expandir seus votos em nível nacional, numa evidência de que há, pelo Brasil afora, uma parcela do eleitorado que pensa como ele – por mais estapafúrdias que sejam suas ideias e propostas políticas.

Há de fato no país um eleitorado com tendências autoritárias e até extremo-direitistas. É o que se chama de “bolsonarismo de raiz” – que existia mesmo antes de Bolsonaro e continuará a existir depois dele. O percentual desse eleitorado gira em torno de 20%, como já começa a apontar a pesquisa Datafolha, e a tendência é que a votação de Bolsonaro estacione nessa faixa – entre 20% e 25% -, dado seu governo inexistente e a péssima gestão da pandemia.

Já Lula tende a crescer. Seu histórico político – liderança, carisma, habilidade para costurar alianças e a memória de seus governos bem-sucedidos – revela que ele cresce em campanha, seja na rua seja na televisão, e sobretudo em debates. Alguns analistas acreditam até na possibilidade de Lula vencer em primeiro turno – o que parece um pouco difícil, mas não impossível.

Enfim, a volta de Lula, como diz o outro, “embolou (ou limpou?) o meio de campo”, porque ninguém contava com isso tão cedo e, depois de tanta pancadaria, não se esperava que sua força eleitoral estivesse assim tão viva, intacta, como revela agora a primeira pesquisa feita pelo método presencial desde a última eleição.

Se não houver outro golpe pelo caminho – coisa que vai ficando cada vez mais difícil – é bem provável que o país se livrará do governo amalucado e genocida de Bolsonaro mais cedo do que se pensa – tal como o povo norte-americano se livrou rapidamente do maluco Donald Trump.

Lula é a alternativa. A direita tradicional, duramente derrotada na última eleição para presidente, não consegue emplacar um nome de expressão eleitoral – a soma das intenções de voto nos candidatos da direita clássica, segundo a pesquisa mencionada, não chega sequer à metade dos votos de Lula, cuja volta é mesmo necessária, para que o país volte também à normalidade democrática, recupere a racionalidade e venha a ter esperança de novo.

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Os erros mortais do presidente

A FINALIDADE da CPI da Covid é apurar as responsabilidades daqueles que tinham o dever de gerenciar a crise sanitária e não o fizeram, ou fizeram de maneira irregular. Como é público e notório, o presidente da República é o grande responsável pela gestão mortífera da pandemia – portanto, a CPI da Covid vai investigar o óbvio.

Dentre muitos outros, alguns erros por parte do presidente da República foram determinantes para que o Brasil não conseguisse controlar a crise do coronavírus e estivesse hoje na situação em que está: com seu sistema de saúde em colapso, com quase meio milhão de mortes e mais de 14 milhões de acometidos pela covid-19.

O primeiro erro grave. Em vez de acatar as recomendações da ciência e das autoridades de saúde do mundo inteiro, para prevenção e combate à pandemia, Jair Bolsonaro preferiu negar a gravidade da doença, apregoando que era uma enfermidade criada chineses e um exagero da mídia.

Em vez de coordenar as ações preventivas do uso de máscara e distanciamento social, reconhecidamente eficazes para barrar a propagação do vírus, o presidente preferiu incentivar aglomerações, descartando o uso de máscara e promovendo, ele próprio, ajuntamentos que espalharam a doença pelos diversos lugares onde andou.

Em vez de adiantar-se para adquirir as vacinas, que logo no começo da pandemia começaram a ser desenvolvidas, Bolsonaro preferiu apostar na chamada “imunidade de rebanho”, ou “imunidade coletiva”, que já não havia dado certo na Europa e fora tragicamente desmentida pelo surto de Manaus.

Em vez de investir na ciência para desenvolver remédios eficazes, ou na compra de soros e anti-inflamatórios hoje existentes; em vez de fazer uma campanha de esclarecimento sobre a letalidade da doença, Jair Bolsonaro preferiu apostar na cloroquina, divulgando um tratamento precoce que não existia.

Em vez de centralizar as ações no governo federal, em parceria com governadores e prefeitos, para coordenar eficazmente o combate à peste que se alastrava, Jair Bolsonaro preferiu não fazer nada, impediu que seus ministros da Saúde o fizessem, e buscou impedir, até mesmo na Justiça, que os estados e municípios tomasse providência recomendadas pela ciência e pelas autoridades sanitárias no enfrentamento da crise.

Negacionista irresponsável, Bolsonaro deixou de fazer o que era preciso, atrapalhou quem queria fazer, e fez só o que não devia – foi um parceiro do vírus. Até mesmo os dados da doença o presidente sonegou à população, alegando que a mídia estava fazendo muito terror com uma pandemia que não era tão grave quanto pensavam.

As razões que levaram Bolsonaro a se comportar assim permanecem desconhecidas. Há quem sustente que não há razões, é um problema de índole: Bolsonaro é um indivíduo malévolo, perverso. Desde a campanha só falava em dar tiros, matar, apoiar matadores e “cancelar CPFs”. Descobrimos muito tarde que o presidente é um homem letal!

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A morte por opção

UMA das maiores chacinas da história do país acontece em meio à maior pandemia do século. Nesta última – na pandemia – os que mais morreram e continuam morrendo têm sido os pobres e pretos. Na outra – na chacina – só morreram pobres, pretos e pardos. Como se vê, a morte não é isonômica e reflete, como um espelho, as desigualdades sociais.

Isso significa que ela (a morte) – um fato natural em si mesmo – é também um “fato social”. Ou seja, um fato “socialmente construído”, delineado, circunscrito pela imediata violência de Estado (omissão na pandemia e intervenção violenta da polícia na chacina), e mediatamente por uma herança colonial e escravista que perpetua suas vítimas preferenciais.

A barbárie do Jacarezinho e as quase 500 mil vítimas da pandemia, em que predominam as mortes com viés étnico/racista, constituem ao mesmo tempo uma vergonha nacional e uma prova de que o Brasil permanece prisioneiro de seu passado tão iníquo quanto resiliente, e intocável.

Intocável pelo silêncio de muitos que não ousam – porque não sentem e não sofrem – afrontar as estruturas racistas que produzem e reproduzem a miséria e as desigualdades do nosso cotidiano, a revelar que há mesmo “vidas que não importam” e mortes que não merecem sequer um lamento, uma indignação.

De silêncio em silêncio, a morte seletiva vai se naturalizando; vai voltando a ser apenas um “fato natural”, talvez até aceitável. O silêncio dos bons é o fermento dos regimes genocidas, como foi no nazi-fascismo do século XX.

Já o falatório dos maus é o responsável pela necropolítica de um Estado que mantém a polícia mais letal do mundo e abriga um dos governos mais genocidas da história brasileira: diante da pandemia, o presidente da República diz que “vai morrer quem tiver que morrer”; e diante da chacina o vice-presidente afirma que “só morreu bandido”. O que explica esse desprezo pela vida senão o gosto pela morte?

Enquanto isso, nas redes sociais, uma horda de milicianos imbecis, reproduzindo a leviandade de seus líderes políticos, comemora a morte dos moradores do Jacarezinho dizendo que “morreu foi pouco”. Se já seria chocante a ausência de compaixão, imaginem esse regozijo com a morte, essa celebração da barbárie.

Não há saída para um povo que não sabe fazer distinção entre civilização e barbárie. Um povo que não consegue perceber, na sua própria identidade, a violência estrutural que nos constituiu no passado e que brutaliza nosso presente – um horror ocultado pela escuridão das trevas que envolvem nossos olhos, nossas consciências e inconsciências. Seguimos prisioneiros do dilema infernal de viver num país “bonito por natureza” e horrível por opção.

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1º de Maio

O DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO não é apenas um dia para confraternização, destinado a felicitarem-se os trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo. Deve ser um dia também de reflexão e luta. E por uma razão muito óbvia: o mundo do trabalho e seus direitos estão seriamente ameaçados pelas transformações econômicas e tecnológicas da economia global.

No Brasil, a evidência dessa ameaça se traduz na voracidade com que os últimos governos (Temer e Bolsonaro) avançaram sobre a CLT e o regime de previdência pública, destruindo direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora no século XX, mercê de muita luta, desde a emblemática Constituição mexicana de 1917.

As reformas trabalhista e previdenciária levadas a efeito por dois governos golpistas no Brasil tinham como pretexto o aumento do emprego e da produção. Porém, surtiram exatamente os efeitos contrários: o desemprego saltou para 14,% e a produção brasileira (PIB) desabou mais de 4% em 2020 – um desastre.

Além de retirar direitos consolidados da classe trabalhadora ativa; além de fulminar o direito a uma aposentadoria digna dos inativos, as reformas promovidas no país desarticularam a capacidade de organização da classe laboral – sindicatos foram duramente atingidos, enfraquecendo a luta dos trabalhadores por dignidade e direitos.

As transformações ocorridas com o advento das novas tecnologias produziram também um grande impacto nas relações de trabalho. A chamada “pejotização” e a terceirização, bem como a emergência dos serviços por aplicativos, prestados para as grandes plataformas digitais, reduziram os direitos e a estabilidade da classe trabalhadora, aumentando a informalidade e o desemprego.

Em nome de uma suposta “autonomia do prestador de serviços”, que foi levado a imaginar que poderia ser um “empreendedor de si mesmo”, uma espécie de “Eu S.A.”, o que ocorreu na verdade foi um aumento da superexploração do trabalho pelas big techs, com ausência de vínculo empregatício e, portanto, inexistência de direitos trabalhistas.

A Justiça do Trabalho enfrenta agora uma avalanche de demandas que discutem a existência ou não de vínculos empregatícios nos casos de terceirização/pejotização, prestação “autônoma” de serviços por aplicativos ou “uberização”. A lei que ampara esses trabalhadores foi perversamente flexibilizada em várias legislações do mundo por reformas neoliberais que descartam a classe trabalhadora.

O momento, portanto, é de reflexão e luta. Resistência. A hipertrofia do capital financeiro tem como consequência direta a atrofia do mundo do trabalho. São dois lados de uma mesma moeda; constituem aos dois frontes da luta de classes – que muitos, apressada a espertamente, teimam em sepultar em nome da paz dos sepulcros.

A verdadeira riqueza é gerada pelo trabalho. É daí que vem o dinamismo da economia – o trabalhador produz e consome e produz novamente… gera e faz circular o produto que garante a robustez da economia e a arrecadação dos governos. Logo, os direitos da classe trabalhadora e a suficiência de sua remuneração constituem variantes indispensáveis à economia e consistência do sistema produtivo.

Mas, antes de tudo, esses direitos representam uma conquista justa e civilizatória na luta contra a exploração humana, a servidão e a barbárie. É exatamente isso o que se deve comemorar reacender em mais este Dia do Trabalho. É momento, pois, de seguir conscientizando e unindo os trabalhadores para a luta que se anuncia – feliz 1º de Maio aos que trabalham e que lutam!

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Boçalidade escancarada

QUE o governo Bolsonaro é um misto de insanidade, incompetência e burrice todo mundo já está cansado de saber – mesmo os que não querem ou não gostariam de saber, sabem que é isso mesmo. Mas, nesta semana, num intervalo de poucas horas, o presidente e dois de seus ministros passaram dos limites no quesitos burrice insana.

O ministro da Economia, numa reunião que estava sendo gravada, disse que a “China inventou o coronavírus”. Notem: o ministro da economia insulta gratuitamente o nosso maior parceiro econômico (ou comercial), insulta o país que mais compra mercadorias do Brasil e que fornece 80% das vacinas aqui aplicadas contra a covid-19.

Logo em seguida, Paulo Guedes confessa que ele próprio tomou a vacina chinesa, fabricada no país que acabara de insultar. O que é isso? Burrice, insanidade, ignorância ou tudo junto e misturado?

Depois foi a vez do ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, dizer que tomou a vacina “escondido” para não desagradar o chefe. Como assim, depois de velho um general que ocupa alto posto da República age às escondidas, feito um moleque que estivesse fazendo coisa errada?

E o pior é que o ministro, além de perder a oportunidade (como era de seu dever) de dar o exemplo para incentivar a vacinação, acha engraçado revelar ao público sua molecagem feita às escondias do capitão. O que é isso: burrice, boçalidade ou o general é apenas um velhusco simplório?

E, por fim, mais uma (ou duas) do capitão corona: nesta semana, insistiu publicamente nos poderes mágicos da poção cloroquínica e disse que será “o último a ser vacinado”. Afirma que esse será o “seu exemplo”. E pergunta: “Não é um bom exemplo?”.

É, sim, um bom exemplo – de boçalidade, burrice e ignorância. De ignorância que tem orgulho de si mesma. Que não teme expor-se ao ridículo. Nesse sentido, é também um deboche autoritário, de quem despreza a inteligência e a vida de seu povo, e não teme ser responsabilizado por isso.

Essa ralé que assumiu o poder – através de uma eleição viciada pelas fraudes da Lava Jato, que prendeu o candidato favorito em 2018, e pelas manipulações ilegais no WhatsApp, que até hoje o TSE não teve coragem de julgar e cassar a chapa do presidente eleito – é de fato uma patuleia incompetente, ignorante e boçal. Tão boçal, ignorante e incompetente que não consegue, sequer, disfarçar.

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Bandidagem assumida

CHEGA a ser um escárnio, um escândalo – ou verdadeira apologia ao crime – a foto em que Bolsonaro aparece junto a meia dúzia de puxa-sacos com a réplica de um cartão de CPF onde se lê “CPF CANCELADO”. Essa expressão é uma gíria da bandidagem, utilizada por grupos de extermínio, milicianos, integrantes do PCC, Comando Vermelho, Família do Norte e outras organizações criminosas.

A foto não é só de mau gosto – é um corpo de delito. E constitui verdadeira confissão de que o presidente fala a língua, se relaciona e faz parte do submundo do crime. É criminoso confesso. Sendo assim, será preciso fazer uma distinção muito clara entre o eleitor eventual de Bolsonaro e o seu apoiador – que doravante passa a ser cúmplice de seus crimes.

A foto foi tirada após entrevista a uma emissora de tevê amazonense e divulgada no site oficial do Planalto. Numa evidência de que o presidente é mesmo um sem-noção: não tem a menor noção do cargo que ocupa nem de que a sua foto é uma prova de seu envolvimento criminoso, bem como da necropolítica que vem praticando: “CPF Cancelado” significa morte, homicídio, extermínio, crime.

Deixar-se fotografar numa situação dessas, divulgar uma foto assim, em que confessa sua intimidade com o submundo do crime, no instante em que o Brasil contabiliza quase 400 mil mortos pela covid-19, e numa cidade (Manaus) onde a omissão do presidente matou 61 pessoas só numa semana, ultrapassa todos os limites do aceitável e do bom senso, e de qualquer processo que se pretenda minimamente civilizatório. É Barbárie.

Bolsonaro é um necropolítico que pratica a necropolítica a céu abeto. E se orgulha disso. Já afirmou certa vez, num programa de televisão, que “sua especialidade é matar”. E é mesmo. Que o digam as 400 mil famílias que perderam seus entes queridos para uma doença que o presidente negligenciou sem mover palha sequer em defesa de seu povo, contra a pandemia.

De fato, Bolsonaro foi e é um poderoso aliado do coronavírus, um “príncipe da morte”. E está pouco se lixando para as vítimas – são simplesmente CPFs CANCELADOS, “e daí?”, “vai morrer quem tinha de morrer, e pronto!”.

Por isso que, daqui para a frente, será preciso fazer a distinção entre os que votaram em Bolsonaro (pelas mais diversas razões) e aqueles que votaram e ainda o apoiam, que se identificam com ele. Os primeiros se enganaram ou foram enganados, estes últimos são cúmplices – de genocídio e de vários outros crimes como esse do cartão do CPF, que configura apologia criminosa.

Espera-se que o país, como um todo, recupere a razão. Pois ao bolsonarismo, em particular, não é razoável exigir racionalidade O apoio cúmplice a Bolsonaro não se pauta pela razão ou pelo raciocínio, e sim pela emoção, pelo fanatismo. Seus apoiadores não o apoiam por algum motivo racional, razoável, mas pela identificação (afetiva) com o líder – se descobriram iguais ao Bolsonaro.

O Palácio do Planalto está em pânico com a CPI do genocídio. E não é para menos. Bolsonaro e seus subordinados sabem muito bem que o capitão corona cometeu muitos crimes – por ação e omissão – contra seu povo e seu país, aprofundando uma crise ao mesmo tempo sanitária e humanitária. Depois de cometer tantos crimes contra a vida e a saúde do povo, o capitão ainda se dá a licença de ironizar as “vítimas canceladas”. Só pode ser barbárie, não tem outro nome!

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O saldo da Lava Jato

É MUITO negativo o saldo da Lava Jato. Negativo e desastroso. Os cinco anos dessa operação, comandada acintosamente pelo então juiz Sérgio Moro, deixaram um legado de destruição no campo institucional, econômico, político e social. Foi uma das piores coisas que poderiam ter acontecido ao país no momento em que a democracia da Nova República se consolidava, com prosperidade econômica e justiça social.

O STF acaba de anular os processos da Lava Jato em relação ao ex-presidente Lula – o único alvo da operação -, declarando a incompetência e a suspeição de Sérgio Moro. Ou seja, tudo o que se fez nesses cinco anos, todo o estardalhaço que se armou em torno da força-tarefa, tudo isso foi pra lata do lixo.

E levou consigo também 4,4 milhões de empregos destruídos nesse período por causa da destruição de empresas e perda de investimento na economia. Em vez de punir os culpados pela corrupção na Petrobras, a Lava Jato puniu as empresas, acabou com elas, e os culpados andam aí à solta, prontos para saquear de novo o patrimônio público.

Além dos 4,4 milhões de empregos destruídos, estudos apontam que a Lava Jato fez com que o Brasil perdesse 172 bilhões de reais em investimentos – muito mais do que os 12 bilhões que os lavajateiros se jactam de ter recuperado com as polêmicas delações.

A destruição atingiu em cheio a indústria nacional, provocando a falência de grandes empresas que, a despeito de seus métodos, geravam empregos diretos e indiretos e exportavam serviços. Atingiu a indústria da construção pesada, da construção civil, indústria naval, distribuição de derivados de petróleo e até a Petrobras, que foi punida pelos EUA e está agora sendo esquartejada com a venda de ativos, de refinarias e entrega do pré-sal.

Do ponto de vista institucional, a Lava Jato foi uma tragédia. A anulação dos processos pela Suprema Corte é a maior evidência de que a operação violou sistematicamente o devido processo legal e o princípio da legalidade; fragilizou o nosso sistema de direitos fundamentais e a Constituição democrática de 1988, arranhando profundamente a imagem e a credibilidade do Poder Judiciário.

A decretação indiscriminada de prisões preventivas prolongadas e ilegais, para a obtenção de delações, é uma das páginas mais perversas da história judiciária brasileira. Reeditou-se em pleno século XXI a tortura (psicológica e física) para obter confissões e destruir reputações – como nos tempos do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição.

No campo político, a Lava Jato ameaçou o nosso sistema representativo criminalizando os partidos e os políticos. Foi decisiva para a derrubada de uma presidenta democraticamente eleita e, enfim, criminalizou a política e malferiu os esteios do Estado Democrático de Direito, a ponto de propiciar a ascensão da extrema-direita no país com a eleição de um presidente inepto e autoritário.

Sérgio Moro e sua trupe, respaldados pela mídia empresarial, enganaram o país, dilapidaram os cofres públicos com seus processos caros, e o que produziram foi só nulidade. O Brasil não pode simplesmente virar a página da Lava Jato. Precisa avaliar o saldo desastroso dessa operação; reexaminar e punir os erros (e o dolo) dos integrantes dessa força-tarefa e tomá-la como exemplo do que não deve ser feito.

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