A CONSTITUIÇÃO de 1988 é reconhecidamente uma das mais, senão a mais, democrática da nossa história republicana. No entanto, abrigou o militarismo em suas entranhas, de forma sutil mas expressa. O já famoso art. 142 é o “ovo da serpente”. Ali está definido que as Forças Armadas poderão assumir o controle do país em caso de ameaça às instituições, à lei e à ordem internas.
Na esteira desse artigo, veio a Lei Complementar 97/99 que estabeleceu as normas para a organização, preparo a emprego das Forças Armadas, cujo art. 15 permite a “passagem” do controle do país às mãos dos militares. Vê-se que a ordem constitucional brasileira abraçou não só o militarismo como também a ideologia de inspiração norte-americana da “Lei e Ordem” (Law and Order).
A esses diplomas legislativos, soma-se a Lei de Segurança Nacional, Lei nº 7.170/83, anterior à Constituição mas que foi plenamente recepcionada por ela. Essa lei permite o enquadramento penal daqueles que atentarem contra a “lei e a ordem”, cuja vigilância está entregue aos militares.
Enquanto outros países da América Latina, vítimas de golpes e ditaduras militares nos anos 60 e 70, processaram e puniram seus ditadores, o Brasil, além de anistiar os algozes de farda, deu a eles uma legislação que permite a intervenção da caserna na vida política nacional – “nos termos da lei”.
Por estes dias, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, afirmou que se o presidente da CPI atacar novamente as Forças Armadas “nós temos mecanismos dentro da base legal para evitar isso. E aí nós precisamos preservar as instituições”.
Os tais instrumentos “dentro da base legal” a que se refere o comandante são exatamente esses aí acima – esses que permitem a interferência militar no processo político. A declaração do chefe da Aeronáutica é, sim, uma ameaça. Basta um pedido do ministro da Defesa para desencadear a intervenção militar. E hoje, como sabemos, o ministério da Defesa, que sempre foi chefiado por um civil, está também nas mãos dos militares.
O atual governo já abriga mais de 6 mil militares em cargos de primeiro e segundo escalões. Prevendo uma derrota nas urnas em 2022, Bolsonaro ameaça um autogolpe a toda hora, disse que não aceitará o resultado das eleições eletrônicas, e, caso seja derrotado, não passará a faixa de presidente ao vencedor.
Não nos esqueçamos que ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Boas, participou do “golpe dentro do golpe” que levou Bolsonaro à presidência. O general confessou, publicamente, ter pressionado o STF para manter Lula na prisão, o que abriu caminho para a vitória do capitão e o retorno dos militares ao poder.
Conclusão: há sinais de que o caminho vem sendo pavimentado para uma explícita interferência militar na política brasileira. O ovo da serpente está sendo chocado. Uns dizem que não há condições políticas nem históricas para um golpe militar clássico no país. Meu palpite é que já estamos no meio de um golpe militar, à conta-gotas, e em 2022 ele pode se escancarar de vez, sobretudo pelo medo de Lula e da CPI, que está mirando a responsabilidade de setores das Forças Armadas no morticínio da pandemia.
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