O Rubicão da democracia brasileira

EM 2022, a democracia brasileira terá um duplo desafio: vencer a extrema-direita bolsonarista e assegurar o resultado das eleições. Será um momento delicado, uma prova de fogo para a nossa titubeante democracia – se superar essas duas ameaças, poderá consolidar-se a partir dali; caso fracasse nessas duas tarefas, será virá retrocesso e até a destruição do nosso regime democrático.

Sim. Jair Bolsonaro representa uma ameaça à democracia. Está prometendo um golpe de Estado, ou autogolpe, desde que assumiu o governo. Aliás, desde antes, ainda deputado, já apregoava a necessidade de fechar o Congresso, acabar com as oposições e governar à força, montado nas estruturas repressivas do Estado com apoio de organismos paramilitares, cuja legalização o então deputado defendia abertamente.

Se vencer as eleições de 2022, não há dúvida de que Bolsonaro consolidará seu projeto autocrático. O modelo que persegue é o de Viktor Orbán da Hungria, corroendo as instituições por dentro, cooptando o Congresso, mudando a legislação para permanecer no poder e manietar o Judiciário, sufocando a oposição, estrangulando a mídia independente e restringindo liberdades.

Se perder nas urnas, virá o golpe clássico – mais ou menos como ocorreu na Bolívia em 2019, quando forças militares e policiais obrigaram à renúncia de Evo Morales. Bolsonaro dá mostras de que usará a força militar, cooptando o baixo oficialato das Forças Armadas e até setores da cúpula, arregimentando as polícias militares dos Estados e as forças de segurança privada – legalizadas e clandestinas.

Para tanto, o presidente já está pondo em dúvida o resultado das eleições de 2022. A defesa do voto impresso é o mote para o golpe. Em caso de derrota de Bolsonaro, a eleição será imediatamente judicializada, o que abrirá tempo e espaço para que as forças de segurança tomem as rédeas do país, garantindo a paz e ordem pública.

Portanto, seja um, seja outro, o resultado das eleições, a democracia brasileira continuará correndo o risco de naufragar de vez. Esse é o cenário que Bolsonaro desenha e que pretende impor em 2022, tanto para continuar no poder, quanto para evitar sua própria prisão – sem a presidência, Bolsonaro, sua família e suas milícias terão de acertar contas com lei.

A única via capaz de imunizar esses riscos para democracia brasileira seroa a derrota de Bolsonaro já no primeiro turno. Porque, se disputar o segundo turno palmo a palmo com Lula, ou outro candidato da esquerda ou centro-esquerda, Bolsonaro não engolirá a derrota e deverá partir para o tudo-ou-nada, destruindo a democracia,. se preciso for, para salvar sua pele.

Algo parecido estava ocorrendo nos EUA logo após a derrota de Trump e a invasão do Capitólio. Mas lá, diferentemente daqui, as Forças Armadas cuidaram de garantir a ordem, a lei e o resultado das eleições – Trump ficou sozinho com os malucos que invadiram a sede do Congresso norte-americano e não teve alternativa senão voltar pra casa.

Aqui é diferente. As Forças Armadas são historicamente golpistas. Basta lembrar que a fundação da República resultou de um golpe militar. Logo em seguida, veio o Estado de Sítio imposto pelos militares, e, desde a Primeira Revolta da Armada em 1891, os militares brasileiros participaram de todos (todos) os golpes de Estado no país, seja apoiando, seja protagonizando-os.

É ingenuidade imaginar que prevalecerá a Lei e a Constituição em 2022 porque as instituições estarão funcionando. Bobagem! Desde o golpe de 2016, as instituições no Brasil se fragilizaram e não estão funcionando. Se estivessem, Bolsonaro não teria cometido os crimes que cometeu durante a pandemia, nem estaria ameaçando abertamente o STF, a tripartição de poderes, a soberania do voto popular e a democracia.

Em suma, as tarefas de barrar a extrema-direita de Bolsonaro e assegurar o resultado das eleições diretas e livres em 2022 é um desafio de todo aquele que se diz democrata. A extrema-direita, em qualquer lugar do mundo, é contra a democracia, não respeita as regras do jogo porque não reconhece a legitimidade de seus adversários – precisa, portanto, ser derrotada, permanecer afastada do poder.

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