Genocídio notório

EM DIREITO, diz-se que os fatos notórios não dependem de prova. Por exemplo, uma criança que pede pensão alimentícia ao pai não precisa provar sua dependência econômica em relação ao genitor, pois é notório que as crianças dependem materialmente dos pais.

A CPI da pandemia passa por uma situação idêntica: está investigando o que todo mundo já sabe e nem precisa ser investigado. Ou seja, quer saber se Bolsonaro apostou na “imunidade de rebanho”; se foi contra o “lockdown”; se adotou o tratamento precoce com cloroquina como ação de saúde pública; e se deixou de comprar vacina anticovid para imunizar os brasileiros a tempo e a hora.

Fala a sério: isso tudo ainda precisa ser investigado, não seriam, por assim dizer, os tais fatos notórios? Claro que sim.

Por meio de incontáveis declarações, vídeos, entrevistas e lives Bolsonaro sempre deixou muito claro que era contra o isolamento social, contra as vacinas e a favor do tal tratamento precoce com cloroquina e outras drogas igualmente ineficazes para a covid-19. Suas declarações eram expressas no sentido de que a pandemia seria vencida com a “imunidade natural de rebanho”, e não com vacinas.

Ironizou o quanto pôde as vacinas, pessoalmente recusou-se a tomá-las, rejeitou a oferta de milhões de doses dos imunizantes. Saiu promovendo aglomerações de pessoas e chegou a entrar na Justiça contra o “lockdown” de governadores e prefeitos. Virou garoto-propaganda da cloroquina, criou um “programa” fajuto (TrateCOV) do Ministério da Saúde para recomendar esse remédio ineficaz e o ofereceu até mesmo às emas do Palácio.

Investigar essas coisas pra quê? São fatos notórios. Nem era preciso uma CPI, bastava que os comandantes da Câmara Federal (Maia antes e Lira agora) tivessem tido a coragem de pôr os mais de 100 pedidos de impeachment em andamento, enfrentando o respaldo militar que mantém Bolsonaro no cargo.

Mas a CPI tem sim o que investigar. Surgiram evidências de que Bolsonaro negava a ciência e preferia ouvir o bando de aloprados que integravam seu “Ministério Paralelo da Saúde” ou “Gabinete das Sombras” – um bando de “cloroquiners” medíocres que recusam a vacina e insistem no tratamento precoce sem eficácia; acreditam na imunidade de rebanho e garantem que isolamento social não funciona; negam a ciência e recomendam o curandeirismo.

A CPI precisa investigar também os fortes indícios de corrupção e malversação do dinheiro público por trás da cloroquina. São muitos milhões gastos pelo governo com a compra, a distribuição e a fabricação do remédio pelo laboratório do Exército. Há muito dinheiro gasto também com “influencers”, blogueiros e até jornalistas picaretas que fazem a propaganda homicida da cloroquina.

Ninguém tem dúvida sobre o comportamento criminoso de Bolsonaro em face da maior pandemia do século. Só mesmo o bolsonarismo mais tosco ainda apoia o negacionismo doentio do capitão. A CPI tem o que investigar, mas os fatos notórios – que independem de investigação e prova -, já nos dão conta de que estamos diante de um genocídio igualmente notório.

Afinal, sem vacina, sem isolamento social, sem amparo financeiro para que as pessoas pudessem permanecer em casa durante o pico da doença, e sem um governo para coordenar o combate à pandemia queriam o quê? As mais de 470 mil mortes, os quase 17 milhões de infectados e não se sabe quantos sequelados eram resultado mais que previsível; fruto de um desígnio doloso – e notório.

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