TENHO sustentado aqui (e alhures) que um novo golpe militar no Brasil de hoje não só é possível como é provável. Já antes do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 eu sustentava essa hipótese. Aliás, num texto produzido em 2015 para o Ministério Público, como membro do grupo de análise do relatório da Comissão Estadual da Verdade em São Paulo, indiquei os argumentos legais que os militares utilizariam para aplicar o golpe.
Portanto, há seis anos ou mais suspeitei que os militares estavam assanhados para voltar ao poder e podiam fazê-lo até mesmo “nos termos da lei e da Constituição”. Pois o militarismo continua entranhado na nossa legislação democrática desde 1988, especificamente no art. 142 da Constituição Federal e na lei que a complementa (LC 97/99).
E qual o porquê ou porquês dessa suspeição? Dois motivos assanharam os militares: o veemente repúdio à reeleição de Dilma em 2014 por parte da classe dominante e a instalação da Lava Jato, também em 2014, com o claro propósito de atuar politicamente contra o partido que estava no governo, o PT.
Esses dois fatos faziam pressentir, desde logo, que os militares, sobretudo do Exército, em algum momento viriam com o pretexto histórico da defesa da ordem e das instituições; permaneceriam de campana, só esperando a hora certa, o momento propício, para dar o bote.
A “defesa da ordem e das instituições” é a desculpa sempre usada para justificar os golpes militares clássicos – com canhões na rua e brusca tomada do poder. Todavia, desta vez, o Exército resolveu seguir a nova cartilha dos golpes de Estado, “por dentro da democracia”, e o então comandante Eduardo Villas-Bôas (que de “boas” não tem nada), pressionou o STF para manter Lula preso, tirando o petista da eleição.
O STF, acuado pela mídia e então também pelo Exército, cumpriu a ordem: manteve Lula na cadeia e ajudou a parir Bolsonaro, que chegou ao poder meio no susto e trouxe consigo o seu projeto autocrático. À moda dos novos “populistas autoritários”, Bolsonaro passou a atacar as instituições democráticas (STF e Congresso), a mídia, a universidade e a cultura, como estratégia para corroer a democracia por dentro e consumar seu projeto autoritário.
Para tanto, está cooptando o baixo oficialato das Forças Armadas, as polícias estaduais, as forças de segurança privada e as milícias paramilitares. E o faz abertamente. Agora, seu processo de cooptação está chegando à cúpula das Formas Armadas – o episódio Pazuello é um exemplo escandaloso.
Além disso, o capitão já iniciou – há muito – sua retórica vazia contra o voto eletrônico, pondo em dúvida, de antemão, a segurança desse voto e a lisura da eleição de 2022. As milícias digitais de Bolsonaro já estão difundindo na internet que a próxima eleição presidencial poderá ser fraudada para afastar o capitão do poder, o que justificaria um “golpe militar” para pôr ordem na casa.
A prova de fogo para a democracia brasileira será mesmo em 2022: se Bolsonaro vencer nas urnas, irá consolidar seu projeto autoritário, inspirado sobretudo em Donald Trump e Viktor Orban (Hungria), amordaçando a imprensa adversária; sufocando oposição no Congresso; restringindo a atuação do STF e mudando a legislação para permanecer no poder além de seus dois mandatos.
Se Bolsonaro for derrotado, aí sim, virá a guerra híbrida e o golpe clássico, com imediata recontagem de votos, cassação da chapa vencedora, anulação das eleições e entronização de um governante provisório, que poderá ser o próprio Bolsonaro ou algum outro preposto dos militares – esta última hipótese parece a mais provável.
À vista de tudo isso, fica claro que os dois grandes desafios para a democracia brasileira em 2022 serão, primeiramente, derrotar a extrema-direita de Bolsonaro, e, em seguida, assegurar o resultado das eleições. Esse será o momento mais delicado, o de maior risco para a nossa democracia, desde que mergulhamos numa profunda crise institucional em 2014, que passou pelo impeachment de Dilma, prisão de Lula e ascensão da extrema-direita.
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