Datas de março

              PELO lado da esquerda, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) convocou um ato público para o próximo dia 13.3.15 com a alegada finalidade de promover a “defesa” da Petrobras e de protestar contra o ajuste fiscal do governo, um ajuste que pode resultar no aumento do desemprego e na recessão, ameaçando ainda direitos trabalhistas e previdenciários como, por exemplo, o seguro-desemprego e a pensão por morte.

           Pelo lado da direita, as forças reacionárias e conservadoras do país convocaram também uma marcha pública em favor do impeachment de Dilma Rousseff, marcada para o dia 15.3.15, sob o argumento de que a presidenta reeleita e seu partido (PT) mergulharam o país na corrupção e na incompetência político-administrativa, gerando uma crise que teria tornado o Brasil ingovernável.

               Alguns analistas têm destacado a semelhança entre esses dois fatos atuais e outros dois eventos políticos do passado, ocorridos em 1964, também no mês de março, eventos estes que precederam e teriam até mesmo precipitado a deposição do presidente João Goulart, abrindo espaço para o golpe militar-empresarial que resultou numa ditadura ao longo de vinte anos nas décadas de 60/70.

            Pois bem, o evento à esquerda, convocado pela CUT para o próximo dia 13 de março, está sendo comparado com o famoso “Comício da Central” que ocorreu no Rio de Janeiro em 1964, também em 13 de março, quando o presidente João Goulart falou em praça pública para mais de 150 mil pessoas, apregoando as reformas que seu governo pretendia fazer, dentre elas a eterna reforma agrária, a reforma trabalhista e a reforma tributária que contemplaria até mesmo a “taxação das grandes fortunas”.

           A semelhança entre esses dois eventos está no fato de que o “Comício da Central”, ocorrido no dia 13 de março de 1964, tal como o evento proposto agora pela CUT (num mesmo 13 de março), teve o apoio da classe trabalhadora, que reivindicava seus direitos; dos comunistas, que então lutavam pela legalização do PCB; e tinha também a Petrobras no centro das atenções, pois algumas refinarias privadas haviam sido desapropriadas para a consolidação do monopólio estatal do petróleo.

              Já o novo evento à direita, convocado por meio das redes sociais para reivindicar o impeachment da presidenta Dilma, está sendo comparado com a famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, ocorrida em 19 de março de 1964 na cidade de São Paulo. Essa marcha, que levou mais de duzentas mil pessoas à ruas, saiu da praça da República e dirigiu-se até a praça da Sé onde vários políticos discursaram contra o governo Jango, todos alarmados, argumentando que o presidente da república pretendia instalar um “comunismo ateu” no país.

         Uma das semelhanças entre a marcha convocada em 2015 pelas redes sociais e a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” de 1964 é que ambas seduziram apenas a classe média e a classe alta, com uma surpreendente adesão de muitas donas de casa e “mães de família” pertencentes a essas classes mais elevadas, sem nenhuma participação dos estratos inferiores da sociedade, tal como ocorre hoje quando só se ouvem “panelaços” contra a presidenta nos condomínios de alto padrão.

      Em 1964 os integrantes da “Marcha da Família” foram estimulados pela ala conservadora da igreja católica que então convocava, nas homilias dominicais, todo o povo brasileiro para defender a família e a liberdade contra os ateus e os comunistas; em 2015 essa convocação também é feita por segmentos moralistas e ultraconservadores nas redes sociais para “defender” o país dos possíveis “ateus bolivarianos”.

           Depois daqueles dois importantes eventos em 64 – um, à esquerda, ocorrido diante da Estação Central do Brasil no Rio de Janeiro, e o outro, à direita, com a “Marcha da Família” pelas ruas de São Paulo -, deu-se o golpe contra o presidente Jango – um presidente eleito com a legitimidade do voto popular nas urnas e confirmado no cargo por meio de um plebiscito. Após o golpe, instalou-se entre nós uma das mais longas e violentas ditaduras militares da América Latina, apoiada pela mídia conservadora, por uma grande parte do empresariado nacional e internacional, bem como pelos Estados Unidos da América.

           Muitos temem que a história se repita também desta vez, e que o país venha a incorrer nos mesmos erros do passado, sobretudo, com a mídia conservadora insuflando os protestos. Assim, alguns analistas veem o risco de que uma presidenta democraticamente eleita seja “impedida” de exercer seu cargo, exatamente como aconteceu com João Goulart. Muitos temem também que esse barulho todo acabe instalando uma daquelas crises políticas que via de regra desembocam nos regimes autoritários ou ditatoriais que sempre surgem com o pretexto hipócrita, supostamente “legítimo”, de garantir a “estabilidade institucional” e a “ordem democrática”.

               É certo que o pensador Karl Marx, no seu 18 Brumário de Luís Bonaparte, dizia que “A história sempre se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa”. Assim, especula-se que as manifestações políticas marcadas para os próximos dias (e também as coincidentes “datas de março”) teriam o potencial de abalar novamente nossas instituições democráticas, com prejuízos irreparáveis à “jovem” democracia brasileira.

        A estabilidade das instituições, a defesa da legalidade e o reconhecimento da legitimidade que decorre das eleições livres, num país democrático, são essenciais à sobrevivência da democracia. Por isso, as democracias “maduras”, fortemente institucionalizadas, nunca escolhem o caminho trágico do confronto e das soluções autoritárias, assim como repelem também as manobras aventureiras de “vestais impolutas” que buscam falsear e desestabilizar os regimes democráticos por pura intolerância ou interesses egoísticos.

               Uma democracia autêntica exige respeito à soberania popular, exige acatamento da vontade do povo manifestada nas urnas, e exige, acima de tudo, uma boa dose de juízo na cabeça, pois, democracia não é coisa que se ache na lata do lixo, nem é algo que se constrói da noite pro dia, e além do mais, a despeito das sombrias previsões de Marx, a maioria dos brasileiros e brasileiras que se manifestaram nas urnas não deseja que a história se repita – nem com a tragédia de uma ditadura, nem com a intolerância truculenta dos farsantes.

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