DOMINGO passado foi dia de carreata – a favor da vacinação e pelo impeachment de Bolsonaro. A vacinação, mesmo aos trancos e barrancos, creio que vá sair, já o impedimento do presidente está mais difícil. Se bem que crimes de responsabilidade não faltam – os juristas arrolam aí mais de duas dezenas desses crimes que justificariam a destituição do presidente.
Mas, como se sabe, o impeachment é um processo jurídico-político. Ou seja, sua instauração depende de pressupostos jurídicos (prática de crime de responsabilidade – Lei nº 1.079\50) e decisões políticas – instauração pela Câmara dos Deputados e julgamento pelo Senado.
Além desses elementos, costuma-se dizer que o impeachment de um presidente da República depende muito das ruas, isto é, da mobilização popular pedindo ou apoiando o afastamento do governante.
No caso de Bolsonaro, tem-se apenas o elemento jurídico, pois ele, de fato, cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, e até crimes comuns. Na pandemia, são inúmeros os delitos praticados, por ação e omissão, contra a saúde pública e a vida dos brasileiros.
Mas o impeachment tá longe de prosperar. Porque o elemento político no Congresso e nas ruas ainda segura Bolsonaro no trono. Sim, o quórum para instauração do processo de impedimento na Câmara é de 2\3 dos 513 parlamentares (ou seja, 342 deputados); no Senado, é também de 2\3 dos senadores (54 deles). Quórum altíssimo que, com esse Congresso golpista e conservador, está longe de ser conseguido.
Nas ruas, o capitão ainda tem resilientes 30% de apoiadores (um percentual altíssimo também). Nesses 30% estão os chamados “bolsonaristas de raiz” (que já existiam antes mesmo de Bolsonaro) e uma parte dos eleitores que nele votaram e não querem dar o braço a torcer, nem admitir que se enganaram redondamente – preferem persistir no erro e apoiar o capitão.
Além desses fatores que garantem o capitão na cadeira, há um outro muito poderoso: grande parte do empresariado está com Bolsonaro porque espera as “reformas” e privatizações do Paulo Guedes. Esses empresários – do setor produtivo, financeiro e de mídia – apoiaram o golpe de 2016 e seguem esperando as benesses, a recompensa, desse golpe.
É preciso lembrar também que o poder evangélico está com o capitão e não abre. Igrejas, redes de rádio e televisão – notadamente o grande canal do bispo Edir Macedo (Record) – fazem a batalha ideológica em favor do presidente e são responsáveis por um bocado significativo do apoio popular dado ao ocupante do Planalto.
Quero lembrar outro fator, poderosíssimo também. Apesar da crise, a Bolsa de Valores do Brasil segue firme e forte. Em novembro último teve uma recuperação de 40%, quase zerando a queda acumulada durante a pandemia de 2020, que foi de 45%. O mercado financeiro de aplicações segue em alta – sem desconforto. Logo, enquanto Bolsa e aplicações financeiras estiverem saudáveis, o povo pode ficar doente que o capitão não cai.
Que há motivos jurídicos para o impeachment do presidente, isso há. Aos montes. Todavia, fatores políticos e econômicos blindam o chefe e revelam que a política brasileira está mesmo refém dos endinheirados e dos golpistas. Levará algum tempo para que a democracia, golpeada por essa escumalha que chegou ao poder por vias espúrias, recupere seu lugar. De qualquer forma, com ou sem impeachment: FORA, BOLSONARO.
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Todos esses motivos não constituem, em síntese, o preço da democracia?
Afinal, por mais lamentável que seja, Bolsonaro foi eleito diretamente pelo povo.
A destituição pelo parlamento tem um custo.
É verdade que mantê-lo no cargo também, e cada vez mais alto diante da pandemia.
Porém, não sei se a manutenção de Bolsonaro na Presidência, com todas as consequências nefastas daí advindas, não pode representar maturidade democrática.
Claro que isso exige juízo crítico e consciência, o que pode neutralizar tudo, tornando utópico meu raciocínio …
Obrigado, Viviane. Pela lei, não há dúvida, o caso é de impeachment. Mas há as considerações políticas. Quanto à “maturidade” de nossa democracia, creio que ainda não podemos comemorá-la; nossa democracia retrocedeu e está ainda na pré-infância, frágil. A ascensão de Bolsonaro é um exemplo disso.
Obrigado, abraço.
Eu quem agradeço, Machado.
Não tenho dúvidas quanto ao retrocesso do Brasil.
Minha dúvida são quanto ao que fazer daqui para frente.
Ver Trump perder as eleições foi alentador, mas a história do Brasil não tem a mesma tradição democrática.
Talvez a americana não seja lá essas coisas, mas há uma tradição e mais sólida que a brasileira
Assim mesmo, o mundo assistiu à insólita invasão do parlamento americano.
Os danos para o Brasil com Bolsonaro e tudo o que o antecedeu desde a lava jato, lamentavelmente, devem ser maiores.
Enfim, vamos seguindo. 🙂
Isso mesmo. Temos de seguir lutando por nossa maltratada democracia.
abraço.
Num tempo em que a luta da população precisa estar voltada para a saúde e a qualidade de vida das pessoas, nos vemos frente aos arroubos de um governo autoritário para o qual os valores democráticos nada significam.