Ninguém ganha

         AS MANIFESTAÇÕES de ontem, em apoio ao presidente da república, constituem um fato político que merece ser entendido com certo cuidado – sem alarmismo, mas com cuidado. Há nesse fato peculiaridades (e também consequências) que não podem ser ignoradas, tampouco negligenciadas.

          A primeira particularidade, que chama a atenção, é que manifestações populares de apoio a um presidente, há menos de seis meses depois de sua posse, são inusuais. De fato, um presidente que acabou de ser eleito, que acabou de retirar sua força (e legitimidade) das urnas, normalmente não está precisando de mais apoio popular – já o teve pelo voto.

     Segundo, não é usual que um presidente da república convoque ou estimule manifestações de rua em seu próprio favor; ou em favor de seu governo. Se isso acontece, se as manifestações não são espontâneas, mas solicitadas, é sinal de que a popularidade do governante está em declínio e ele se sente politicamente frágil.

         No caso do Bolsonaro, a fragilidade política é admitida até mesmo por seus pares. Pudera: o presidente não tem plano de governo; descarta partidos, sob o argumento de que vai governar com “bancadas temáticas”; hostiliza movimentos sociais; não consegue articular uma base parlamentar de apoio no Congresso; ameaça a oposição; tem postura política tão radical que afasta até mesmo os que estão do seu lado, no seu campo ideológico.

       As manifestações de ontem são pra lá de esquisitas. Quando um presidente da república, que acabou de ser eleito, volta a fazer campanha nas ruas, alguma coisa está errada. E se ele despreza partidos, movimentos sociais e instituições democráticas, fazendo apelo a grupos reacionários e a uma ideia abstrata de “povo”, é bom ficar atento; daí – como revela a História -, não costuma vir boa coisa.

        Enfim, fazer e apoiar uma manifestação contra a política e os políticos em geral, contra o Congresso e contra o bloco conservador chamado “centrão”, fundamental para aprovar as propostas ultraconservadoras do presidente, é quase um suicídio político. No mínimo, um autoisolamento. Por isso, muitos se perguntam: o que é que estará urdindo o espeloteado ocupante do Planalto?

        Mas vejamos agora as consequências políticas dessas inusitadas manifestações, independentemente do vulto ou das dimensões que elas possam ter ou não ter tido.

         Se as manifestações não foram de massa – e parecem que não foram -; se elas não constituíram um ato ou movimento suficiente para dar apoio e referendar amplamente o governo de Bolsonaro, este sairá mais frágil do que entrou; ficará evidente que não desfruta mais (se é que desfrutou um dia) de sólido apoio popular; vai perdendo a legitimidade.

         Se, pelo contrário, as manifestações foram realmente relevantes, e uma vez que os apoiadores do governo sustentavam pauta de confronto com o Congresso Nacional (muitos cartazes criticavam expressamente os presidentes da Câmara e do Senado), isso enfraquece ainda mais o presidente nas suas relações políticas com o Legislativo; se seu governo já estava paralisado, ficará mais paralítico ainda.

          Como se vê, ninguém ganha com essas manifestações forçadas, fora de hora, meio sem pé nem cabeça. Elas não aproveitam nem ao próprio Bolsonaro, que as convocou. Muitos analistas dizem que podem ser o famoso “tiro no pé”. E de fato são. Bolsonaro é tão politicamente estabanado que não sabe o que é melhor nem para si mesmo, que dirá para o Brasil.

           Os mais otimistas poderão dizer que a democracia sempre ganha com manifestações populares de rua. Nem sempre. (O nazismo e o fascismo também levaram muita gente às ruas e praças da Alemanha e da Itália!) E o que se viu ontem nas ruas do Brasil foram pessoas de um extrato social mais elevado, brancos, classe média e média alta – são parte do povo, claro, mas estão longe de representar as massas populares.

           Além do mais, as reivindicações dos manifestantes ou eram estapafúrdias (vê lá se é possível instaurar uma lava-jato contra ministros do STF!) ou eram claramente antidemocráticas (a aprovação do pacote anticrime do ministro Moro ameaça a vida e a liberdade das populações negras e pobres; e a reforma da Previdência atinge direitos constitucionais da classe trabalhadora).

           E pior: em alguns casos havia gente se manifestando contra o direito fundamental à educação (em apoio aos cortes feitos pelo governo nessa área); e outros ainda, pedindo intervenção militar no país. Algumas faixas pediam impeachment ou morte de políticos. Tudo coisa sem cabimento. Fascistoide. Manifestações assim não aproveitam a ninguém – nem aos próprios manifestantes.

        Mas, apesar da bagunça, a tendência é que tudo se ajeite. A extrema-direita de Bolsonaro já se compôs com a direita tradicional em nome da pauta econômica a ser aprovada neste governo. O perigo agora chama-se Paulo Guedes; esse é o homem escalado pelo ultraliberalismo para destruir direitos dos trabalhadores e “vender” o Brasil ao capital estrangeiro – ele mesmo disse que pretende “vender tudo”… e pelo jeito, até a alma.

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