A PRIMEIRA grande manifestação de massa contra o governo Bolsonaro ocorre a menos de cinco meses de sua posse. E o estopim dela foram os congelamentos e cortes de verba na área da Educação. Ontem, em defesa do ensino público, milhares de pessoas foram protestar nas ruas das principais cidades do país e em todas as capitais – é um recado e tanto.
Diante desse recado, o presidente – que é incapaz de dialogar com quem quer que seja; como, aliás, já se tinha visto por ocasião dos debates na campanha eleitoral -, optou pela grosseria e chamou os manifestantes de “idiotas úteis, uns imbecis”.
E ainda – não sei com que autoridade intelectual -, afirmou que os manifestantes que estavam na rua não sabem nada, não sabem sequer a fórmula química da água, a popularíssima agá-dois-ó.
Seu ministro da Educação – aquele que confundiu Kafka com cafta – já havia dito que a universidade brasileira era uma “balbúrdia”, onde só tinha esquerdista e gente pelada. Para o governo, portanto, o ensino público brasileiro é uma bagunça, e quem o defende só pode ser idiota ou imbecil.
O presidente está nervoso; visivelmente descontrolado. E motivos não lhe faltam. Pois agora, além de arranjar briga com a classe média (a mais numerosa das classes), que votou nele em peso, anda às turras com o Congresso Nacional – nem mesmo o “centrão”, suprassumo do fisiologismo político, estaria disposto a segurar a barra do capitão pro que der e vier.
Se o presidente está mal com o Congresso e começa a azedar nas ruas, bastaria um empurrãozinho da mídia – como fizeram com Dilma Rousseff em 2013, ao transformar um simples protesto do Movimento Passe Livre em São Paulo num movimento nacional -, para que as coisas caminhem como caminharam para a petista.
Mas o pior ainda não é isso. A quebra do sigilo bancário e fiscal de um dos filhos de Bolsonaro, senador Flávio, e de mais 89 pessoas ligadas a ele, inclusive o famoso Fabrício Queiroz, tem potencial para revelar muita sujeira – e sujeira que vai certamente respingar no capitão – tanto no Planalto quanto dentro de casa.
As coisas podem ficar insustentáveis. Quem pressente isso é o próprio Bolsonaro, e também seu filho Carlos (o vereador). O presidente disse na semana passada que viria um tsunami político por aí – e veio nas ruas; o vereador afirmou nas redes sociais que “O que está por vir pode derrubar o Capitão eleito”.
O clã Bolsonaro está em polvorosa, como se diz. E não é pra menos: o termômetro das ruas subiu; o capital político no Congresso baixou; e as investigações na Justiça esquentaram. É por isso que o presidente estava furioso quando deu a entrevista sobre as manifestações de rua e, gratuitamente, chamou todo mundo de idiota, ignorante e imbecil.
A pergunta que tem sido feita, e que agora volta com mais intensidade – inclusive nos corredores de Brasília – é se Bolsonaro se aguenta até o final do mandato.
É preciso entender que esse governo caótico e aparentemente sem rumo promete ser polêmico do começo ao fim; uma espécie de montanha-russa enlouquecida, que só tem “baixos” e não tem “altos” – uma balbúrdia; um tsunami. Dará sempre a impressão de que é um governo que vive na corda-bamba.
E o que pode bambear de vez a corda do presidente são as ruas, o Congresso e a Justiça, juntos. Se as investigações no Ministério Público e na Polícia Federal – inclusive a investigação sobre milícias e o assassinato de Marielle Franco – seguirem os mesmos padrões de quando os investigados eram a esquerda e seus aliados, Bolsonaro dança rapidinho; sem música nem nada.
Se começarem a quebrar sigilo fiscal, bancário e telefônico (inclusive da primeira-dama); se distribuírem prisões preventivas para arrancar confissões; se fizerem buscas espetaculosas e conduções coercitivas ilegais; se adotarem os “vazamentos” seletivos à imprensa para destruir reputações e enfraquecer investigados, como se fazia ao tempo de Sérgio Moro, ninguém aguenta.
É evidente que essa truculência investigatória não se justifica nem mesmo contra um governo truculento como esse de Bolsonaro. O devido processo legal e o respeito às franquias constitucionais devem ser observados sempre, em qualquer circunstância, em qualquer processo ou investigação – seja lá quem for o réu ou investigado.
Mas é irônico lembrar que essa metodologia autoritária sempre foi aprovada pelo capitão. Se fizerem com ele o que ele aplaudia quando faziam com os outros, tchau, querido! Pode ser que o feitiço se volte contra o feiticeiro – como se voltou contra o golpista Michel Temer.
Só que nesse caso dos Bolsonaro não é preciso nada disso: dado o conjunto de elementos e evidências que já se tem em mãos, basta uma investigação bem-feita, dentro da legalidade – como aquela realizada pelo Coaf -, e seria mais que suficiente para abalar a república de novo.
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