Como nossa democracia acabou

        DEMOCRACIAS podem chegar ao fim! Essa é uma constatação a que estudiosos do mundo todo chegaram depois que uma poderosa onda conservadora se levantou a partir dos EUA, atingindo a Europa, a Eurásia e a América Latina.

         De um ponto de vista estritamente político, toda democracia depende de pelo menos cinco condições, sem as quais ela sucumbe: (1) respeito à Constituição (ela é o Contrato Social das democracias); (2) instituições capazes de efetivar direitos; (3) observância das regras do jogo eleitoral, que garante a alternância no poder; (4) aceitação da vitória do adversário; (5) certeza de que o eleitor poderá, pelo voto, mudar o mau governante.

         Isso é o que garantem os especialistas e pesquisadores das democracias pelo mundo afora. Sem prejuízo de outros igualmente importantes, mencionaria aqui apenas os trabalhos mais recentes de David Runciman e Thomas Picketty na Europa (Inglaterra e França); Steven Levitsky, Daniel Ziblatt e Madeleine Albright na América (EUA);  e Sérgio Abranches no Brasil.

      Pois bem… A partir desses referenciais científicos (muitos desses trabalhos são pesquisas acadêmicas – seguidas de teses, ensaios e debates), vejamos se a democracia brasileira, reinaugurada em 1988 com a Constituição cidadã, se subordina ou não àquelas cinco condições que mantêm uma democracia em pé – creio que não.

       1. É notório que nos últimos dez anos a Carta Magna brasileira foi sistematicamente atacada – e na sua parte mais sensível: os direitos fundamentais. Que são o núcleo ético das democracias. Direitos como, juiz natural, presunção de inocência, liberdade de ir e vir, sigilo das comunicações telefônicas, proibição de prova ilícita, isonomia etc., foram violados, e o auge das violações se deu no âmbito do Mensalão e da Lava Jato.

     2. As instituições encarregadas de zelar pelo respeito e pela força normativa da Constituição não só não foram capazes de garantir sua efetividade como elas próprias (instituições: Judiciário, Ministério Público, Parlamento…) foram responsáveis por diversas violações, enfraquecendo e desacreditando temerariamente a ordem constitucional.

         3. As regras do jogo eleitoral no país foram subitamente desprezadas em 2016, com o polêmico impeachment de Dilma Rousseff (o próprio Senado não a incriminou e reconheceu, por meio de seus peritos, que as famosas “pedaladas” fiscais não constituíam crime de responsabilidade). Esse processo de impeachment abalou seriamente a soberania do voto popular e, via de consequência, deprimiu a democracia.

         4. A vitória de Dilma Rousseff em 2014, obtida democraticamente nas urnas, não fora aceita por seus adversários. O então senador mineiro Aécio Neves pediu imediatamente a recontagem de votos; a mídia se referia à eleição de Dilma como um “estelionato eleitoral”; e a oposição passou a votar pautas-bomba no Congresso, para impedir a presidenta de governar – daí ao impeachment foi um passo.

       5. Com isso, subtraíram ao eleitor o direito de, pelo voto, mudar o governante se o considerasse mau ou incapaz – como acontece naturalmente nas boas democracias. A soberania popular estava então alijada do jogo eleitoral – o que deu margem ao surgimento de uma candidatura autoritária, de extrema-direta, com laivos do neofascismo que anda assombrando o mundo democrático.

     Como se percebe (e até sem perceber!), aqueles cinco esteios da democracia, inventariados por pesquisadores do tema nos mais variados cantos do mundo, foram seriamente abalados no Brasil – comprometeram a nossa democracia e seu definitivo asfixiamento parece agora inevitável.

        A culminância de todo esse processo com um governo ultraconservador, da direita extremista, é o sinal mais claro de que a democracia brasileira se desintegrou. É consabido que a extrema-direta é a antípoda, a inimiga número um das democracias. Não é segredo: quem mata as democracias no mundo é a extrema-direita, que em muitos lugares, e frequentes vezes, descambou para o fascismo – é só consultar a História

          Sob um governo de ultradireita fica sempre muito difícil a resistência democrática e progressista. Ainda não é possível entrever com clareza quais os caminhos e estratégias que essa resistência deve seguir. A população demora um pouco a sentir os efeitos da falta de democracia; por isso, permanece apática e aparentemente conformada – longe da política.

        Só quando as identidades e as dignidades estiverem profundamente ameaçadas (ou arruinadas); quando a falta de liberdade ameaçar as mais corriqueiras dimensões da existência – como, por exemplo, a liberdade de contestar e dizer o que se pensa -, é que se poderá esperar alguma reação democrática – isso se a política e a democracia ainda forem uma forma de vida desejável neste incógnito século XXI.

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