A PRIMEIRA condenação de Lula da Silva, decretada pelo ex-juiz Sérgio Moro no caso do triplex em Guarujá, foi uma condenação absurda: proferida dentro de um processo nulo (incompetência do juízo) e sem provas suficientes para condenar o réu – não conheço nenhum jurista (renomado ou não) que tenha feito uma defesa técnica e competente desse processo e da sentença de Sérgio Moro.
Agora, a nova sentença condenatória referente ao sítio de Atibaia vai no mesmo caminho, exibe os mesmos problemas – processo nulo (incompetência do juízo) e absoluta falta de provas – admitida até mesmo pela magistrada.
Comecemos pela nulidade do processo. Os próprios empresários-delatores, cujos depoimentos serviram para “incriminar” Lula, disseram, unanimemente, que as reformas do sítio não estavam vinculadas a nenhum contrato da Petrobras. Se é assim, então a competência para julgar a ação não é da Vara de Curitiba – a juíza de lá é incompetente para a causa; o processo é nulo (art. 564, I, CPP).
Notem que a magistrada admitiu como verdadeiras as delações que incriminavam Lula, mas tratou de ignorá-las quando elas (as delações) beneficiavam os argumentos de Lula sobre a incompetência do juízo. Se isso não é atuar de modo parcial, então é preciso rever o conceito de imparcialidade; ou os conceitos da própria juíza.
Vamos às provas.
Para condenar o ex-presidente era preciso no mínimo três coisas: (1) provar qual foi o ato de ofício que ele cometeu, no exercício de seu cargo, que teria vinculação com os benefícios recebidos por ele indevidamente; (2) provar que o sítio reformado era de Lula; (3) provar que ele recebeu os benefícios indevidos em razão ou no exercício de seu cargo de presidente.
Com relação ao primeiro item (ato de ofício), nem é preciso perder muito tempo argumentando assim ou assado; basta lembrar que a própria juíza sentenciante afirmou, na sentença (e expressamente), que não consta dos autos nenhum “ato de ofício” do ex-presidente Lula beneficiando os empresários corruptos em contratos da Petrobras; ou seja, não há prova desse ato ilegal ou indevido.
No que se refere ao segundo ponto (propriedade do sítio), também não é preciso ir muito longe. A própria juíza, num dos trechos de sua sentença, diz que “Lula utilizou o sítio até mais do que o proprietário”. Logo, ela mesma admite que Lula usava o sítio de outrem (dos amigos Jacó e Fernando Bittar). Admite, pois, que o sítio não era dele. Dizer mais o quê, sobre isso?
Finalmente, acerca das reformas feitas no sítio de Atibaia, que teriam sido realizadas para obter do ex-presidente algum benefício indevido, basta dizer que por ocasião dessas reformas (2014) Lula da Silva já não era mais presidente da república; já não poderia beneficiar mais ninguém; e poderia receber mimos, benefícios e doações de quem quer que fosse – pois puxa-saco é o que não faltava a sua volta.
Sobre os benefícios recebidos pelo ex-presidente, a juíza recorreu mais uma vez – como já fizera Moro com o tal “ato de ofício indeterminado” – a um argumento genérico, abstrato, falando de um “caixa geral de corrupção”. Verdadeiro absurdo no campo penal; toda condenação exige a imputação de um fato concreto e específico – e não um fato geral ou indeterminado. Qualquer primeiranista de direito sabe disso!
Ainda no campo das provas, é preciso destacar que a juíza sentenciante não fez qualquer referência ao conjunto probatório da defesa. Ignorou-o na caradura. Inclusive uma prova pericial (científica) comprovando que um depósito de 700 mil, supostamente em favor de Lula, na verdade, fora feito a diretores da Odebrecht – quer dizer, Lula mais uma vez pagou pato.
Era esperada a nova condenação do ex-presidente. Ninguém se surpreendeu. Pois quando do interrogatório de Lula a jovem juíza já demonstrou todo seu ódio (e descontrole) ao advertir o réu, arrogantemente, no sentido de que ele poderia “ter problemas” com ela – praticamente prejulgou a causa aí, revelando seu ódio e seu veredicto.
(A magistrada – cujo pai é um militante antipetista na internet – deixou transparecer o tamanho do seu ódio ao dosar a pena de Lula, 12 anos e 11 meses, um exagero sem qualquer razoabilidade jurídica.)
Dificilmente alguém defenderá as sentenças condenatórias de Lula com argumentos técnico-jurídicos sólidos e bem fundamentados. Quem tentou, não foi adiante; não passou do ramerrão, do blá-blá-blá. Os argumentos desses aspirantes a rábula serão – como têm sido até aqui – argumentos pífios, políticos ou “puro senso comum jurídico”; ou ódio; ou tudo isso junto.
As condenações de Lula são indefensáveis. É preciso que se dê às coisas o nome que elas de fato têm: Lula é um preso político; perseguido e vítima de “lawfare” – como tem frisado seu combativo defensor.
Apesar de todas essas e outras fragilidades probatórias, e tantas excrescências processuais, que marcaram as duas primeiras condenações por Curitiba, Lula da Silva já contabiliza uma pena superior a vinte anos de prisão – um quarto de século. Dizem os seus adversários que ele vai “apodrecer na cadeia”.
É bem possível: a democracia brasileira apodreceu; a nossa Constituição Cidadã também; as instituições estão se deslegitimando; a mediocridade tomou conta do espaço público nacional; o ódio político e o ódio de classe triunfaram arrasadoramente – num contexto assim, é bem possível que uns apodreçam injustamente na cadeia e outros apodreçam cinicamente em liberdade.
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