O MINISTRO Marco Aurélio de Mello caiu em desgraça na grande mídia ao conceder uma liminar em Ação Declaratória de Constitucionalidade suspendendo a execução de pena dos réus condenados tão somente em segunda instância – tal decisão beneficiaria cerca de 169 mil presos no país, entre eles o ex-presidente Lula da Silva.
Foi o que bastou para que desancassem o ministro. Houve quem o chamasse de comunista, demente, irresponsável, despreparado e por aí afora. Houve até quem pedisse o seu impeachment – os que o criticaram dentro de uma argumentação aparentemente racional diziam que sua decisão instalaria o caos, a insegurança jurídica.
Argumentavam que no caso de Lula o STF já havia decidido pela constitucionalidade da prisão em segunda instância e que, portanto, essa situação estava juridicamente resolvida, pacificada – mexer nisso, mexer no que já está decidido seria uma temeridade para a certeza do direito e para a ordem pública.
Não nos iludamos: esse debate em torno da “prisão em segunda instância” não é um debate puramente jurídico, é, sobretudo, político. E mais uma vez (até quando?) o problema é o Lula.
A insegurança jurídica que agora atribuem ao ministro Marco Aurélio de Mello foi instalada, na verdade, pelo próprio STF. A situação estava pacificada desde sempre. O art. 5º, LVII da Constituição Federal e o art. 283 do CPP – literalmente, expressamente, explicitamente, inequivocamente… -, proíbem a execução da pena antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Não bastasse essa literalidade da Constituição e da lei infraconstitucional, esse sempre foi o entendimento dominante (pacificado) na jurisprudência – inclusive do próprio STF.
Por que razão, de um dia para o outro, a Suprema Corte resolve mexer no que está quieto, instalando a tal insegurança jurídica? Por que motivo o Supremo, só agora, resolve aniquilar o princípio da presunção de inocência e permitir a prisão em segunda instância, sem culpa definitivamente formada?
Como a questão era pacífica e o STF resolveu mudar seu entendimento subitamente, um partido político ingressou com Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) a fim de que a Suprema Corte se pronunciasse, de uma vez por todas, para todos os casos (não só para o Lula), sobre a constitucionalidade ou não da polêmica prisão.
Só que o STF não julga essa ação; não acaba logo com essa agonia. A ex-presidenta do Supremo, ministra Cármen Lúcia, enrolou e não pôs o julgamento em pauta, e o atual ministro-presidente, Dias Toffoli, também está enrolando: jogou a decisão só para o ano que vem – mantendo, portanto, a incerteza jurídica sobre a matéria.
Vai somando: o STF mudou seu entendimento anterior (que era pacífico) sobre a presunção de inocência; decidiu contra a literalidade da lei e da Constituição; contrariou a jurisprudência dominante; e agora não deslinda o caso, não decide se a prisão sem trânsito em julgado é ou não é constitucional. Pode ter insegurança jurídica maior?
No entanto, ninguém se lembrou de atribuir ao STF a culpa por toda essa confusão jurídica. Segundo a imprensa reacionária, a culpa é do ministro Marco Aurélio, que é quem queria decidir logo a questão, quem pretendia torná-la pacífica e homogênea, indiscutível – e não jogá-la para as calendas, como fez a ministra Cármen Lúcia e como faz agora o ministro Dias Toffoli.
E todo esse imbróglio – tanto o cavalo de pau que o STF aplicou no seu próprio entendimento sobre a presunção de inocência, quanto a negativa de julgar as ADCs que pacificariam o caso – por “coincidência” resultou na prisão do Lula, e pronto.
Quer um português bem claro, sem rodeios e sem “juridiquês”? Lá vai: uma vez que a prisão em segunda instância pode ser declarada inconstitucional (o STF está dividido), estão esperando a condenação do Lula transitar em julgado (porque há indícios de que lhe serão negados os recursos às instâncias superiores) para só depois julgar a constitucionalidade dessa prisão. Capito?
Não nos deixemos enganar: o problema é o Lula. Os que andam aí a defender a segurança jurídica, atacando o ministro Marco Aurélio de Mello, não estão defendendo segurança jurídica coisa nenhuma; estão defendendo é a prisão do Lula – a questão é política, não é jurídica; só o discurso, só o lero-lero é aparentemente jurídico.
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