Sem perder a pose

          A CLASSE MÉDIA, como se sabe, é uma classe notoriamente conservadora – e no mundo todo. Assim é porque, espremida entre a elite e os mais pobres, essa classe teme mudanças (sociais, políticas e econômicas) que poderiam resultar na perda de suas conquistas e seu status; vive atormentada pelo medo de despencar na escala social e vir a ser equiparada aos de baixo, aos mais pobres, aos proletários… Por isso, ela é tão “cautelosa”, tão conservadora. E chega a ser compreensível esse medo, pois a vulnerabilidade financeira, e até a pauperização dos setores médios, é um fato real, é um fenômeno que volta e meia acontece – dependendo do vaivém, das oscilações e dos humores da economia globalizada.

           Mas, a classe média brasileira, além desse “medo” – que é geral no mundo capitalista -, tem algumas características próprias: (a) ela vive mimetizando a elite – quer ser como ela; (b) é uma classe que adere facilmente a soluções sociais, políticas e jurídicas autoritárias – portanto, tem inclinações fascistoides; (c) por isso mesmo, é uma classe moralista; (d) é politicamente alienada – detesta política (embora se empolgue ludicamente com eleições, como quem se empolga com uma disputa qualquer); (e) bem por isso, é facilmente manipulável pela grande mídia burguesa – que também é alienada e conservadora, claro. Sobre esta última característica da classe média brasileira, ou seja, o fato de ser manipulável politicamente pela mídia reacionária e golpista, basta ver alguns fatos recentes.

       A elite brasileira acabou de dar um golpe de Estado no país e, para tanto, teve de contar com o apoio da numerosa classe média – e contou mesmo. Convenceu-a de que a economia brasileira estava à beira da bancarrota, e pôs a culpa nos governos do PT; convenceu essa classe de que a política brasileira estava inteiramente corrompida, e jogou a culpa sobre os ombros do PT; convenceu os setores médios de que havia uma “quadrilha” incrustada na política brasileira e pôs a responsabilidade apenas no PT. A partir daí, foi fácil: com o apoio “popular” e o moralismo da classe média, a elite brasileira derrubou uma presidenta petista, sem crime, e condenou o maior líder do PT, sem provas.

        Todavia, os fatos, pouco a pouco, começaram a esclarecer e desmentir esses sucessivos enganos da classe média. Vejam se não. Trocaram o governo, mas a economia brasileira desandou, com a recessão e o desemprego batendo às portas; a delação premiada da Odebrecht, no âmbito da Lava Jato, mostrou que a política brasileira estava mesmo corrompida, mas desde muito antes do PT;  veio a delação da JBS e mostrou que todos os partidos, e, sobretudo, o candidato da elite, Aécio Neves – no qual a classe média votou em peso pra “moralizar” a política -, estava envolvido em corrupção até a tampa; mostrou também que o “presidente” que colocaram no lugar da Dilma, para “moralizar” a política, recebia malas e malas de dinheiro.

       Essas duas delações foram como dois tapas na cara da classe média, dois trancos violentos em suas convicções políticas: ela estava convencida (arrotando convencimento e certezas) de que o Partido dos Tralhadores tinha “inventado” a corrupção, logo, precisava ser tirado do governo de qualquer jeito; estava convencida de que Aécio Neves, e seu PSDB, representava a ética na política e, portanto, a solução para moralizar o país; estava convencida de que havia chegado a hora de mudar o país, de acabar com a corrupção que vinha desde o “mensalão”. De repente, percebe que foi enganada: se vê obrigada a engolir o fato de que os demais partidos eram financiados pelo mesmo dinheiro da elite; que a corrupção era do sistema político e não do PT; e que seu candidato, Aécio Neves, não passava de um santinho do pau oco – a classe média ficou puta da vida com essas delações que mostraram seus enganos.

        Em seguida, veio outro tapa na cara da classe média: o presidente interino Michel Temer comprou abertamente o arquivamento de seu processo-crime na Câmara dos Deputados, oferecendo cargos, verbas e dinheiro a rodo para se safar da Justiça – liberou 96% das emendas dos deputados em 2017. Ou seja, Michel Temer reeditou o “mensalão” descaradamente. E os bate-panelas da classe média, que pensavam estar “passando o país a limpo”, tiveram de engolir outro mensalão – na marra. Só que desta vez, a mídia não noticiou o “mensalão” do Temer; não mandou a classe média para as ruas com suas panelas; não fez nenhum estardalhaço – e o Brasil, que estava querendo resolver o “petrolão”, acabou voltando aos tempos do “mensalão”.

      Agora, querem convencer essa mesma classe média (inclusive os setores médios assalariados) de que a reforma da previdência é necessária para salvar o dinheirinho dos aposentados; que a reforma trabalhista (que faz o Brasil retroceder aos tempos pré-CLT) é indispensável para modernizar a economia; que o “congelamento” dos investimentos em educação e saúde é o caminho para sanar as contas do governo; e que a privatização do que restou de nossas empresas públicas é benéfica para o país – e vão acabar conseguindo convencer os distraídos de sempre, se já não conseguiram.

          Acabo de ver, nas folhas e nas mídias, que já estão defendendo de novo (inclusive um ministro do STF) a volta do financiamento privado de campanha pelas empresas. Ou seja, o financiamento da política pelos ricos, pelo poder econômico; mesmo depois de ficar provado que está exatamente aí o “ovo da serpente”, o ninho da corrupção. Os órgãos de imprensa vão encampar essa ideia – pode crer. E a partir do momento em que os Marinho (Rede Globo), os Mesquita (Estadão), os Frias (Folha) e os Civita (Veja) quiserem que assim seja, assim será: voltaremos ao financiamento da política pelos plutocratas – com aquele valioso, “consciente” e prestativo apoio da classe média.

         A grande verdade parece ser uma só. Aquilo que já dizia o velho e astuto Leonel Brizola (e até por isso é que nunca se elegeu presidente da república): a mídia brasileira corporativa, elitista, monopolizada e todo-poderosa faz o que bem entende com a cabeça dos brasileiros; manipula a seu bel-prazer a cabeça presunçosa (e também os corações) de uma classe média que vive servindo de bucha de canhão e não aprende nem a pau; não consegue entender que está sempre pagando a conta da elite; e que, de engano em engano, só vai entrando pelo cano – mas sem perder a pose.

__________

http://www.avessoedireito.com

Esse post foi publicado em Avesso e marcado , , . Guardar link permanente.

Deixe um comentário