A GRANDE mídia nem noticiou, ou noticiou discretamente – mas Michel Temer criou uma secretaria na Presidência da República, deu a essa secretaria o status de ministério, e nomeou para comandá-la nada mais, nada menos, do que um homem citado 34 (trinta e quatro) vezes na delação da Odebrecht na Lava Jato: o senhor Moreira Franco. Com isso, ele ganha “foro privilegiado”, escapa das mãos do juiz de Curitiba, não terá sua prisão preventiva decretada, e será julgado pelo STF sabe Deus quando.
Há um ano, quando Dilma Rousseff tentou nomear o ex-presidente Lula para um cargo de ministro, o mundo veio a baixo – e olha que o Lula não tinha sido (como não foi ainda) citado em nenhuma delação premiada. Na ocasião, a mídia fez um escarcéu tão grande que os inocentes midiáticos correram pra rua, com suas camisas verde-amarelas, como se fossem salvar a pátria, como se fossem resgatar o patrimônio moral da nação, qual verdadeiros bastiões da moralidade.
O juiz Moro então, esse enlouqueceu: divulgou criminosamente uma conversa telefônica sigilosa entre Lula e Dilma, jogando a gravação ilegal dessa conversa nas mãos da grande mídia. Algumas horas depois, o ministro Gilmar Mendes deu liminar impedindo a posse de Lula no ministério – a partir dali o governo de Dilma ficou irreversivelmente desestabilizado, desmoralizado e desautorizado – sua queda era questão de dias. O juiz Sérgio Moro pediu desculpas ao STF pela divulgação do grampo, cumpriu as ordens da Rede Globo, e virou “herói” nacional – ou antinacional.
Agora, quando Michel Temer faz coisa muito pior, e na caradura nomeia para ministro um homem envolvido na operação Lava Jato, citado 34 (trinta e quatro) vezes em delações premiadas e homologadas, a grande mídia esconde o fato, os paneleiros e paladinos da moralidade enfiam suas panelas não sei onde e ficam por aí com cara de outdoor – como se nada estivesse acontecendo – e o juiz Sérgio Moro, que agora não pode mais prender nem julgar o político nomeado pelo Temer, não vê nada de mais nesse fato, vai fazer exatamente o que a Rede Globo quer, ou seja, vai ficar de bico calado.
Sim, é exatamente isso o que quer a maior rede de mídia do país – o silêncio sobre as falcatruas de Temer. Tanto que o Jornal Nacional de ontem sequer noticiou a nomeação e o foro privilegiado de Moreira Franco. E se o Jornal Nacional não noticiou ninguém discute: o assunto não estará no almoço de família, nas mesas de bar, nem nas respeitabilíssimas conversas dos homens de bem – acabou aquela doideira geral dos que se diziam indignados com a corrupção política, acabou o desejo de “limpar o Brasil”; esvaiu-se, esfumou-se, evaporou, desapareceu.
Dava para ver que toda aquela indignação dos moralistas de ocasião era uma coisa postiça – posta na cabeça de grande parcela da população brasileira pela mídia do golpe, com a Rede Globo à frente; dava para ver que os respeitáveis senhores e senhoras, que se informam no sofá diante das caras e bocas do Willian Bonner, não iriam mesmo produzir grande coisa para melhorar o país; dava para ver que os jovens, bonitos e baladeiros, que resolveram se informar (e se politizar) no lixão da internet não iriam muito longe com seu súbito interesse político; dava para ver que esses vassalos da grande mídia ou são muito cínicos ou muito ingênuos.
Mas o que dá pra ver mesmo, o que fica a cada dia mais escancarado, é o tamanho da alienação cultural e política de uma parcela da população brasileira que se diz bem-informada, culta e politizada – cheia de méritos, diplomas e títulos. Trata-se da alienação típica das nossas elites, e da classe média que a imita em tudo – até na estupidez política. E se não bastasse essa alienação toda, se não bastasse uma monumental ignorância, pode-se discutir também o fascismo e o ódio dessa gente que, numa hora dessas, já deve estar nas redes sociais ou na frente do Sírio-Libanês se refestelando com a morte da mulher de Lula.
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