SE for pra falar de corrupção, então é preciso falar sério. Falar tudo. É preciso ter a coragem de falar abertamente, sem nenhum oportunismo eleitoreiro, sem moralismo seletivo e hipócrita, sem preconceito de qualquer natureza e, sobretudo, sem a ingenuidade estúpida de imaginar que a corrupção política no Brasil começou somente agora, nesta última década, neste último governo.
Se for pra falar sério a respeito de corrupção política no Brasil, não se pode agir como naquela fábula do macaco que senta no próprio rabo e se põe a falar do rabo dos outros. Ser for pra falar com honestidade sobre corrupção, então é preciso começar reconhecendo que todo o sistema político brasileiro está corrompido pelo poder econômico, e que nenhum partido político, dentre aqueles que chegaram ao poder, jamais ficou imune ou conseguiu passar incólume pelo esquema intrinsecamente corrupto do financiamento privado de campanha, do caixa dois, da utilização indevida do dinheiro público em campanhas políticas, e da compra de votos das bases aliadas.
A corrupção no Brasil, e em qualquer parte do mundo ocidental, é uma praga que contaminou inteiramente a chamada “democracia representativa” – essa democracia que virou uma plutocracia porque é financiada e manipulada descaradamente pelos donos do dinheiro. Na verdade, a corrupção é um “crime natural”, que deturpou naturalmente a utopia liberal burguesa, a mesma utopia que pregava, com cinismo ou ingenuidade, o tal “Governo do povo, pelo povo e para o povo”, imaginado por Abraham Lincoln.
O sociólogo Émile Durkheim, no final do século XIX, dizia que o crime é um “fenômeno normal”, uma “criação humana”. Esse pensador francês acabou concluindo que a erradicação do crime somente seria possível com a própria erradicação do homem. Algo, portanto, impossível. E o mesmo se poderia dizer também com respeito ao crime de corrupção. Ou seja, ela não é um “fenômeno normal”, mas é um fenômeno muito comum, e é também uma “criação humana”, demasiada humana (Nietzsche).
Assim, tal como disse Émile Durkheim a respeito do crime, pode-se dizer também que a tarefa de erradicar a corrupção supõe a própria erradicação do homem. No entanto, se não é possível acabar de vez com a corrupção, se não se pode eliminá-la de uma vez por todas, pode-se perfeitamente combatê-la, puni-la nos termos da lei, e até mesmo mantê-la sob um razoável controle. Em tema de controle da corrupção ninguém pode negar que o Brasil avançou muito nos últimos anos, especialmente na última década, adotando instrumentos jurídicos e políticas governamentais de combate a essa praga com resultados tão efetivos, e números tão impressionantes, que apenas os brasileiros distraídos não conseguem (ou não querem) enxergar.
No plano legislativo, o Brasil adotou alguns instrumentos importantíssimos nos últimos anos, para combater a corrupção política e administrativa, com comprovada eficácia. Por exemplo, instituiu em 2010 a chamada “Lei da Ficha Limpa” (Lei Federal Complementar nº 135/10); aprovou em 2011 a “Lei do Acesso à Informação” (Lei Federal nº 12.527/11); em 2013 adotou a “Lei Anticorrupção” (Lei Federal nº 12.846/13); e ainda no mesmo ano de 2013 editou a Lei da Colaboração Premiada (Lei Federal nº 12.850/13).
No campo das medidas político-administrativas, o Governo Federal criou no ano de 2004 o “Portal da Transparência”, vinculado à Controladoria Geral da União; aumentou o efetivo do Departamento de Polícia Federal em 59%, isto é, fez com que o número de servidores desse órgão saltasse de 7.431 para os 11.817 atuais; e entre os anos de 2003 e 2010 criou mais de 600 novas varas da Justiça Federal no país. Todo esse conjunto de medidas não demorou a produzir resultados. Apenas para resumir: enquanto na década de 90, durante o governo do social-democrata Fernando Henrique Cardoso, a Polícia Federal realizou insignificantes 48 investigações criminais, na década seguinte, sob o governo do Partido dos Trabalhadores, essa mesma polícia concluiu mais de 1.270 operações investigatórias.
Enquanto no governo atual do PT houve uma inegável política de valorização do Departamento de Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federal, no governo anterior, do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, a Polícia Federal nada investigou, nenhuma CPI no Congresso Nacional apurou qualquer denúncia de corrupção no governo, e houve até um Chefe do Ministério Público Federal que arquivava os inquéritos contra os políticos governistas e jamais levou nenhum deles ao banco dos réus, ganhando até o apelido de “Engavetador Geral da República”.
Qualquer poliana, qualquer “bona fide” ingênuo, uma criança até, suspeitaria imediatamente que naqueles tempos de polícia inoperante e Ministério Público Federal amordaçado enfiaram muita sujeira embaixo do tapete!
Difícil de acreditar? Então relembre alguns poucos exemplos que deram em nada: o “escândalo das privatizações de empresas públicas com dinheiro do BNDES”; a “venda de empresas estatais em troca de moeda podre”; o “arquivamento da CPI da privataria tucana”; a “compra da reeleição de FHC”; o “engavetamento da CPI dos bancos”; o “escândalo do Banestado”; as “relações do doleiro Alberto Youssef com Sérgio Ricardo de Oliveira, que era caixa de campanha de FHC”; o “escândalo do Sivam”; o “escândalo do banco Opportunity”; a “cessão da base de Alcântara para os EUA”; a “propina para a privatização da Companhia Vale do Rio Doce”; “os esquisitos acidentes que desvalorizaram a Petrobras nos anos 90”; a “nomeação de Paulo Roberto Costa por FHC para ocupar cargo de confiança (Gaspetro) na Petrobras desde 1995”, e por aí afora.
Mais recentemente, há o caso do “mensalão tucano-mineiro criado por Marcos Valério, ex-sócio de Clésio Andrade, que era vice-governador de Aécio Neves”; a “construção do Aeroporto de Cláudio-MG com dinheiro público para uso exclusivo da família do ex-governador mineiro e hoje candidato a presidente da república”; “a efetivação de 98 mil funcionários públicos em Minas Gerais sem concurso pelo atual presidenciável tucano”, e por aí vai. Todavia, o que se encontra diariamente (e repetitivamente) nos grandes meios de comunicação de massa do país é apenas o noticiário requentado do “mensalão do PT” e do “esquema da Petrobras”.
Se for pra falar de corrupção é preciso ter a coragem de dizer tudo. Se não for pra dizer tudo, o melhor é ter a grandeza de ficar calado ou ter discernimento para reconhecer que corrupção não se combate com o estardalhaço enviesado da imprensa reacionária, nem com a retórica cínica daqueles que, no passado e no presente, se refestelaram na própria corrupção e agora querem posar de “vestais impolutas”, como se os brasileiros não conhecessem a fábula do macaco e não soubessem que sentar no próprio rabo pra falar do rabo dos outros é uma falha de caráter; uma falha que tem tudo a ver com o estilo e a tática farsesca dos corruptos.
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