CREIO que poucos juristas estariam dispostos a assumir inteiramente aquele conhecidíssimo ponto de vista do filósofo Karl Marx segundo o qual o direito é um simples reflexo das relações econômicas. Para esse pensador alemão, como todos sabem, o fenômeno jurídico nada mais é do que um fenômeno “superestrutural” que reflete, mecanicamente, as estruturas produtivas – exatamente as estruturas econômicas que condicionam (e por vezes determinam) o modo das relações humanas, inclusive as relações jurídicas.
Mas, bem feitas as contas, talvez nem seja preciso invocar o polêmico autor de O capital nem tampouco ler sua obra inteira para perceber que, se não há uma relação determinística entre direito e economia, há, no entanto, alguma relação importante entre eles. É notório que esses dois domínios do agir e do saber humanos estão relacionados entre si; vinculados até. E não se trata de um vínculo qualquer, superficial, ligeiro, longínquo ou meramente ocasional.
As relações entre direito e economia são muito fortes. Alguns marxistas – sem se renderem ao mecanicismo de Marx -, admitem que por vezes o fator econômico determina o modo das relações jurídicas e estas, a seu turno, também influenciam fortemente as relações econômicas – como se fosse uma “via de mão dupla”. É assim que o direito, por exemplo, relaciona-se com a economia determinando a forma das relações produtivas, estabelecendo algumas proibições, definindo certos limites e certas obrigações econômicas, “disciplinando o trabalho”, premiando e sancionando comportamentos que venham a transgredir as regras do “jogo econômico” etc.
É verdade que a teoria jurídica mais famosa, o popularíssimo positivismo jurídico, sempre teimou em dizer que o direito é um fenômeno autônomo, uma esfera autárquica, um conjunto de normas e princípios cuja gênese e dinâmica independem dos demais campos que formam a sociedade como um todo. Mas, esse positivismo jurídico insulado, metido apenas consigo próprio, já vai ficando meio folclórico. É cada vez menor o número de juristas que estariam dispostos a acreditar, piamente, que as lei, as normas e seus princípios nascem no vácuo e no vácuo são aplicados!
É bem pouco provável que encontremos ainda alguma argumentação séria e consistente, de estilo neokantiano e agarrada ao “imperativo categórico” de Kant, sustentando que o direito é um sistema autônomo de normas, sem vínculos e sem interação com outros campos das relações humanas. Mas os juristas tanto se renderam à evidência das relações entre economia e direito que até já criaram um ramo específico da ciência jurídica denominado “direito econômico”.
Portanto, se não precisamos concordar inteiramente com Marx, quando ele diz que o direito é um fenômeno rigidamente determinado pelas estruturas econômicas da sociedade, também não haveremos de fechar os olhos para escutar só aqueles que afirmam haver uma rígida separação entre as relações jurídicas e as relações econômicas, entre direito e economia, imaginando que o primeiro diz respeito apenas ao mundo moral da justiça e a segunda concerne tão somente aos problemas materiais da produção.
Fazer justiça por intermédio do direito e produzir materialmente a vida por meio da economia são coisas que andam de par, caminham juntas, coisas que não se conseguem fazer separadamente. A economia não pode funcionar de qualquer jeito, a qualquer custo, com quaisquer objetivos, desprezando normas e princípios jurídicos que visam (ou deveriam visar) o disciplinamento de relações humanas decentes, equilibradas e, se possível, justas.
Ora, pois, se podemos falar normativamente num “direito econômico”, então podemos falar também numa “justiça econômica”. E é exatamente aí que a coisa pega! O que seria uma economia ou um sistema econômico que funciona e produz com justiça, nos termos do que exige o autêntico direito?
Para falar de justiça econômica, de sistema econômico justo, isto é, para tratar das relações entre o direito autêntico (justo) e a economia, precisaríamos tocar em assuntos muito delicados, mexer em coisas polêmicas tais como “produção sustentável”, “remuneração equitativa do capital e do trabalho”, “distribuição igualitária do todo produzido”, “combate à exploração humana”, “erradicação das desigualdades sociais”, “regulação econômica” e alguns outros probleminhas que tanto assustam o capitalismo e as sociedades de mercado, com seus juristas e economistas.
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